Quem eram os alienistas, grupo do qual Sigmund Freud fez parte
Texto publicado pela BBC em 22/01/2022, de autor desconhecido
Não resta dúvida. Sigmund Freud, o neurologista austríaco fundador da psicanálise, que criou uma abordagem inteiramente nova para compreender a personalidade humana e é considerado uma das mentes mais influentes e controversas do século 20, era um alienista. Não apenas ele. Seus colegas contemporâneos também eram, assim como muitos antes deles. Embora soe como algo relacionado a alienígenas, não tem nada a ver com isso. Os alienistas eram aqueles que se ocupavam de estudar, compreender, cuidar e ajudar os pacientes que sofriam de “alienação mental” a superar a doença. O termo nasceu na França revolucionária e sobreviveu até o início do século 20.
A origem do termo
Se você pesquisar por “alienista” em um dicionário, encontrará algo como “especialista no estudo e tratamento de doenças mentais”. O início desta nova especialidade médica foi fruto de uma corrente de pensamento distinta sobre a loucura que teve sua expressão em vários lugares do velho continente, mas o termo em si nasceu na França. Por que Carl Jung provavelmente se horrorizaria com a interpretação atual de conceitos que criou?
Ao longo dos séculos 17 e 18 na Europa, os doentes mentais eram cuidados por suas famílias ou vagavam pelos campos e cidades mendigando, indica Juan Carlos Stagnaro em seu dossiê “O nascimento da psiquiatria: um movimento europeu”. Mas muitos ficavam confinados em hospitais criados pelas monarquias para tirar de circulação aqueles que eram considerados “perturbadores” da ordem social. Na França, no início do reinado de Luís 16, o movimento filantrópico — inspirado nas ideias de Jean-Jacques Rousseau — revelou, entre outras denúncias, as condições miseráveis em que se encontravam os confinados nos Hospitais Gerais do reino.
A pressão foi tamanha que o rei confiou a Jean Colombier, inspetor-geral de hospitais civis e prisões do reino, e a seu assistente, François Doublet, a elaboração de um relatório sobre o estado dos loucos internados. (..).”milhares de insanos são trancados nas prisões sem que ninguém pense no menor remédio”, diz um trecho do documento. “O semilouco se confunde com o louco perdido, o furioso com o louco tranquilo: alguns são acorrentados, outros são deixados em liberdade em seu cárcere.” “Em suma, a menos que a natureza venha em seu auxílio e os cure, o fim de seus males é o de seus dias e, infelizmente, até então, a doença só faz aumentar, em vez de diminuir.”
Embora as reformas para melhorar a situação tenham sido temporariamente interrompidas pela revolução, o relatório teve grande repercussão no país, que se tornou uma república. As novas autoridades francesas colocaram em prática as recomendações de Colombier e Doublet, reformando o atendimento aos alienados de suas mentes e da sociedade, de acordo com os novos Direitos do Homem instituídos pela revolução. Reformas semelhantes ocorreram em outras partes do continente.
Em 1808, na Alemanha, o médico e anatomista Johann Christian Reil defendeu a criação de uma disciplina médica independente que chamou de psiquiatria.
Alienismo alienado
Ambos os termos permaneceram em uso. Mas o estudo, a compreensão, o cuidado e a ajuda aos pacientes que sofriam de “alienação mental” se desenvolveram — e o alienismo foi ficando para trás.
Relembrando sua experiência como um “jovem alienista”, o renomado psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung — colaborador mais próximo de Freud — escreveu em 1952: “Nossa formação como alienistas estava intimamente relacionada à anatomia do cérebro, mas não à psique humana.” “Observações meramente clínicas — e subsequentemente post mortem, quando se costumava olhar para um cérebro que não mostrava sinais de anormalidade — não eram particularmente esclarecedoras.”
“O axioma ‘doenças mentais são doenças cerebrais’ não dizia nada a ninguém.” Freud e Jung se concentraram na psicologia dos transtornos mentais, em vez de em sua neurologia ou fisiologia, influenciando profundamente a maneira como psiquiatras e psicoterapeutas (ainda chamados de alienistas no início do século 20) conceitualizavam os sintomas. “Fascinantemente”, observa o psicólogo físico e forense Stephen A. Diamond em um artigo na revista Psychology Today.
“O pêndulo histórico oscilou dramaticamente nos últimos cem anos, do biologismo bruto dos primeiros alienistas até os penetrantes conhecimentos da psicologia profunda no século 20, e agora, lamentavelmente, de volta à nossa conceitualização predominantemente neurobiológica e médica.”
Seria o retorno dos alienistas?