Por José Joacir dos Santos
Maria era o espelho de uma pessoa lutadora e vitoriosa, que jamais fez mal a ninguém.
Formada na Universidade, casada, com bom emprego, parecia viver bem ao lado do marido, naquele sonho do casamento. E essa impressão durou até que um dia viu o lado pobre do marido, aquele que ela lutou para não querer ver porque era bem visível: alcoolismo, mentiras e traições. Desde o início do casamento, quando o marido já era quem era, ela teimou em ter quatro filhos. Lutava pela saúde e educação de cada um deles praticamente sozinha, numa cidade com longas distâncias, tráfego e demais problemas de uma metrópole.
Sempre que podia, pessoa próxima da família passava parte das férias na casa dela, as vezes tomando conta dos filhos enquanto ela buscava ardentemente nova empregada doméstica para cuidar de tudo e das crianças – era o padrão daquela região do país. Quando a pessoa tentava mostrar para ela a real situação em que ela via, Maria negava e não queria sequer comentar.
Certa vez a pessoa perguntou o porquê de as empregadas não durarem tanto tempo na casa dela e a resposta foi vaga. Mas, andando pelo mercado próximo de onde eles viviam, a pessoa se encontrou com uma das ex-empregadas e perguntou qual o motivo dela der abandonado o emprego. De cabeça baixa, a moça respondeu: assédio sexual do patrão, com agressão e violência. A moça disse que tentou contar à patroa, mas ela não quis ouvir e a mandou embora.
Muito cedo na vida, Maria experimentou a dureza de viver sozinha, trabalhar, morar na casa de parentes, se expor a todo tipo de confronto e humilhação. A grande maioria dos acontecimentos nunca foi dividida ou desabafada, mas, sim, engolida para ninguém saber. Ela queria salvar o que não tinha salvação: o casamento.
Praticamente foi forçada a se casar. O casamento poderia ter sido uma porta para a liberdade, já que morava na casa de parentes muito próximos e cheios de demandas. Também poderia ter sido a esperança de um novo começo. Mas, não foi assim. O marido já tinha um estilo de vida definido, de bebedeiras, farras e ausências familiares, desde os tempos da adolescência.
No trabalho, Maria era admirada pelos colegas e chefes pela capacidade de armazenar dados. Sabia, decorado, o número do CPF de clientes e empresas. Quando atendia no caixa do banco, a fila se formava. Todos queriam ser atendidos por ela. Na vida corrida entre mãe, provedora, trabalhadora e esposa, nunca houve momento para si mesma. Os filhos foram crescendo sem que houvesse uma educação familiar voltada para o carinho, o amor, a atenção. Desde muito cedo, os filhos faziam o que queriam fazer.
O marido se comportou, sempre, como uma criança que se negava a crescer e a encarar a vida real, mesmo tendo um filho após outro para lhe chamar a atenção. Mas isso não acontecia. Chegava em casa quase sempre bêbado, de madrugada, e queria ser tratado como um bebê pela mulher, além de comida, roupa limpa etc.
Amigos e mulheres chegavam a bater à porta chamando-o para a farra. E ele não resistia. Pouco se importava com as crianças chorando e a mulher reclamando, cansada, exausta de se dividir entre mãe e provedora da família.
O casal nunca fez amizade, nem com os vizinhos, não só porque o marido proibia. Ele era totalmente antisocial, inconsequente, falava alto, gritava, fazia piadas de mau-gosto com pessoais… Não dava bom dia aos vizinhos.
Muita gente tentou alertar Maria de que aquela vida não estava indo no caminho certo, mas na cabeça dela tudo mudaria um dia. Esse dia nunca chegou. Depois de 20 anos de casada, cinco filhos e de descobrir que o marido tinha mais oito filhos, cada um com uma mulher diferente, ela, finalmente, saiu de casa. E foi outro desastre. Procurou apoio na família e não o recebeu. A família acreditava que mulher era para viver eternamente na sombra do marido, até que a morte separasse o casal. Na época não existia apoio social para esse tipo de situação e ela morria de vergonha. Mesmo assim, não tinha com quem dividir sua tristeza.
Saiu de casa e achou que, por fim, estava livre, sozinha, pronta para voar e viver a vida que nunca teve. Mas, não foi assim. Sem experiência com homens, acabou conhecendo um homem mais jovem, de muita lábia, sem emprego e sem vontade de ter um. Era um rato de praia, cujo foco eram as mulheres sozinhas e com dinheiro que encontrava nas praias.
Aos poucos esse homem foi tomando conta da vida dela como se fosse o homem da vida dela, o protetor, o salvador, aquele que era um conto de fadas. Mas, ele tinha prática e agenda própria, era tudo pelo dinheiro dela. Tudo o que fazia era para distanciar Maria dos poucos amigos que ela tinha, dos familiares, dos filhos dela. Ao que tudo indica, ele trabalhava para si mesmo, com o dinheiro de Maria.
Parentes e conhecidos tentaram alertá-la da situação. Mas ela nunca compreendeu. Acreditava que, finalmente, estava fazendo algo de bom por si mesma, escolhendo um homem para si mesma.
O casal se mudou de uma cidade para outra porque o marido arrumava encrenca com vizinhos, parentes e quem mais passasse na frente dele, chegando a prejudicar o trabalho da mulher. Sem educação acadêmica alguma, falando o idioma nacional com erros e tropeços, ele atraía para si todo tipo de confusão. Usada seus atrativos físicos para iludir as mulheres e Maria foi mais uma.
Fazia Maria pensar que as mulheres o perseguiam e ela acreditava, chegando a brigar com vizinhas por causa dele. O que ela não sabia era que ele também se relacionava com homens com carros novos, motos e dinheiro.
Quando, finalmente, ela pensou em separação, o homem passou na frente, entrou com um processo na justiça e a justiça lhe deu a metade dos bens que ela tinha, alegando que ele não tinha recursos próprios. Mesmo com um processo contra ela, Maria não se preocupou em arranjar um bom advogado. Não se sabe o que ele fazia com o dinheiro, nem o que fez com os imóveis que a justiça lhe deu de mão beijada. Ela acreditava que ele se arrependeria e ele não se arrependeu, claro! E a justiça é cega! E ela perdeu propriedades.
Passado algum tempo da separação, o “marido” voltou a rodeá-la convencendo-a que tudo tinha sido um erro e que o lugar dele era junto dela, para sempre. O mundo se revoltou, mas ela não escutou ninguém, mais uma vez. Voltou para ele! Como era previsível, em pouco tempo ele resolveu se separar novamente. Entrou na justiça outra vez e pegou mais uma parte dos bens dela.
Maria se aposentou já com graves sinais de apagão emocional, depressão e profundo processo de negação. Distanciou-se de tudo e de todos, vivendo em torno dos filhos, alguns já casados, mas desfrutando dos recursos financeiros que a mãe tinha. Ela nunca soube dizer não. Bastava uma choradeira e ela abria a mão. A saúde dela se deteriorou. Não se sabe ao certo o que os filhos fizeram e quais os médicos que envolveram no tratamento dela. Os filhos também fizeram de tudo para afastar os parentes diretos dela da situação e tiraram dela a autodeterminação, tornando-a incapaz. Finalmente, ela foi diagnosticada co, Alzheimer. Assim, passou a viver na casa de um e na casa de outro, até que alguém da família, muito próxima, deu a sentença: asilo de idosos!
Maria foi internada em uma casa para idosos na mesma cidade onde mora o filho que a interditou judicialmentee passou a ser o administrador de todos os bens financeiros da mãe. A alegação principal para a internação da mãe no abrigo foi a de que a doença da mãe estava interferindo na vida do casal – basicamente, desavenças da esposa com a sogra doente.
Pouco tempo depois da interdição e do internamento, a família do filho passou a postar na internet fotos de viagens turísticas que, obviamente, não era compatível com o salário total da família dele.
E a doença de Maria progrediu, especialmente o esquecimento, na casa de repouso, onde, por obra de Deus, tem atendentes boas e prestativas, pagas com o dinheiro dela. As atendentes se queixam da falta de visitas, mais frequentes, dos filhos, especialmente daquele filho que se tornou o tutor da mãe.
É chocante ver uma mulher guerreira, lutadora, com uma capacidade brilhante para memorizar números e contas estar hoje mergulhada no mundo que a Alzheimer reserva para si. Diante disso, é também chocante você não poder fazer nada, além de rezar muito para que o espírito de Maria parta, algum dia, para uma vida melhor.