Cientistas afirmam que esse campo magnético é dinâmico e por variar a intensidade em força e direção pode gerar efeitos
Agência Brasil, 02 de abril de 2021 às 13:08 | Atualizado 03 de abril de 2021 às 19:57
A sigla é inspiradora: Amas, mas o significado ainda é um mistério para a ciência: é a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, uma espécie de defasagem na proteção magnética da Terra localizada sobre o Atlântico Sul, mais especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, faixa que se estende até o Continente Africano.
Para tentar entender o fenômeno, especialistas estudam o campo magnético do planeta, que é gerado no núcleo de ferro líquido superaquecido a pelo menos 3 mil quilômetros de profundidade. O campo magnético, uma espécie de escudo protetor contra radiação cósmica e ventos solares, surge a partir das correntes elétricas na região, entre outros fatores.
Cientistas afirmam que esse campo magnético é dinâmico e por variar a intensidade em força e direção pode gerar efeitos como a AMAS. Ela ainda é estudada e monitorada por agências espaciais, como a ESA (Agência Espacial Europeia), a Nasa (agência espacial norte-americana) e também do Brasil, que lançou recentemente ao espaço um nanossatélite com essa missão, o NanosatC-BR2.
No primeiro momento, as agências espaciais querem entender o fenômeno que pode avariar os satélites que passam pela órbita da Terra, explica o doutor em Física e pesquisador do Observatório Nacional, Marcel Nogueira.
”Por que as agências espaciais têm interesse na anomalia? Porque como essa região tem um campo mais enfraquecido, as partículas do vento solar entram nessa região com mais facilidade, o fluxo de partículas carregadas que passam por aquela área é muito mais intenso. Isso faz com que os satélites, quando passam por essa região, tenham que, por vezes, ficar em stand by, desligar momentaneamente alguns componentes para evitar a perda do satélite, de algum equipamento que venha a queimar. Porque a radiação, principalmente elétrons, nessa região é muito forte. Então é de interesse das agências espaciais monitorar constantemente a evolução dessa anomalia, principalmente nessa faixa central.”, explica.
A ESA já alertou para o crescimento gradativo da Amas entre 1970 e 2020. De acordo com estudo publicado no ano passado, o campo magnético da Terra perdeu 9% de força nos últimos 200 anos, sendo o maior impacto na região da anomalia.
Além do funcionamento dos satélites, especialistas alertam que com a baixa na retaguarda em um ponto específico do planeta, ficamos mais suscetíveis a tempestades magnéticas que podem afetar o dia a dia tecnológico na Terra.
Para Marcel Nogueira, entender essas particularidades pode orientar na precaução de blecautes, como o ocorrido em Quebec, no Canadá, em 1989, quando milhões de habitantes ficaram sem energia elétrica e tiveram transmissões de rádio interrompidas.
“Se gente estuda as tempestades, temos condições de melhorar o nosso sistema de distribuição de energia elétrica e protegendo, evitar esses blecautes. Porque na vida que a gente tem hoje em dia, tão dependente da tecnologia, qualquer tipo de apagão no sistema elétrico, de qualquer país, gera prejuízo de milhões ou até bilhões de dólares. É algo muito importante para nossa vida tecnológica”, diz.
No Brasil, além do nanossatélite lançado ao espaço em março em uma parceria com a Agência Espacial Russa, também há dois observatórios magnéticos que, entre outras missões, estão focados em responder questionamentos sobre essa anomalia: Vassouras, no Rio de Janeiro, e Tatuoca, no Pará. Ambos fazem parte da Rede Global de Observatórios Magnéticos, o Intermagnet.
SegundoMarcel Nogueira, os que operam no Brasil são bem modernos, apesar de o geomagnetismo ser uma das ciências mais antigas da humanidade. Ele diz que o trabalho na órbita do planeta, feito pelos satélites, e no solo, pelos observatórios, são complementares.
”Além de ser uma ciência extremamente antiga, de eles servirem para medidas relevantes, estudar fenômenos geomagnéticos, também servem de fonte de calibração para os satélites que estão fazendo medidas. São métodos complementares.”
Sobre o mistério da Anomalia Magnética do Atlântico Sul, popularmente associado aos eventos no Triângulo das Bermudas, Marcel prefere dizer que o fenômeno é muito mais um desafio tecnológico e que não há conclusões que apontem riscos do fluxo das radiações cósmicas na vida humana.
Agência Brasil
02/04/2021 às 13:08
Anomalia magnética: tempestade solar no Brasil poderia derrubar energia elétrica
A chamada Amas deixa regiões brasileiras mais expostas às tempestades, que causariam queda de energia elétrica, problemas tecnológicos e até mesmo financeiros
Por Tamires Vitorio de Carvalho, do CNN Brasil Business, em São Paulo
03 de abril de 2021 às 19:11 | Atualizado 04 de abril de 2021 às 10:41
Imagine a seguinte situação: o Sul e o Sudeste do Brasil ficam sem energia elétrica por 12 horas após uma tempestade magnética (ou solar) de alto nível. Milhares de pessoas ficam sem televisão, sem internet, sem celular… Basicamente incomunicáveis, em uma época em que a comunicação é tudo e a internet tem se tornado cada vez mais importante em tempos de distanciamento social. As empresas do setor perdem bilhões de reais conforme as horas vão passando e o caos se aproxima.
É claro que a situação é (ainda bem) totalmente hipotética — e, para o cientista Marcel Nogueira, pesquisador do Observatório Nacional, em entrevista à CNN, deve continuar assim por muito tempo — mas é o suficiente para levantar a pergunta: será que a humanidade está pronta para uma forte tempestade solar?
Em 1989, em Québec, no Canadá, a resposta era não. Por conta de uma tempestade do tipo, correntes carregadas de radiação encontraram pontos fracos na rede elétrica do local e cerca de 6 milhões de pessoas na costa leste do país ficaram sem luz por metade de um dia. O processo para a recuperação canadense foi custoso e deixou uma lição em ditado popular: é melhor prevenir do que remediar. Nos Estados Unidos, à época, mais de 200 problemas de rede elétrica foram registrados — sem apagões.
Agora leve em conta que tudo isso aconteceu sem um agravante que somente o Sul e o Sudeste do Brasil têm: ambas as regiões têm uma defasagem em sua proteção magnética chamada de Anomalia Magnética do Atlântico Sul (Amas), o que faz com que chuvas do tipo se tornem mais intensas. “A Amas não afeta o nosso dia-a-dia de forma tão direta. Com o nosso campo magnético enfraquecido interagindo com o campo magnético da Terra, há sinais de que o impacto de uma tempestade magnética aqui seria mais intenso, então você correria o risco de ter blackouts, apagões, então isso pode ser uma atenção extra para fortalecer a energia elétrica”.
Cientista Marcel Nogueira
Segundo ele, a anomalia é “uma fragilidade no escudo magnético da Terra”. É por isso que, quando satélites cruzam a área afetada pela Amas, é comum que mecanismos mais sensíveis sejam desligados para evitar efeitos graves causados pela forte radiação emitida. “É claro que isso pode afetar os satélites de TV a cabo de internet, mas o que acontece é que, muitas vezes, ou eles são preparados para evitar essas anomalias, ou evitam a todo custo essa órbita”, explica. Para Nogueira, a preparação dos equipamentos e o fortalecimento da energia elétrica na Terra seriam suficientes para minimizar os impactos de uma eventuam tempestade magnética. “Se vier uma nuvem magnetizada para o nosso planeta, não temos como impedi-la, ela vai vir e temos que aceitar que vamos ser impactados. Mesmo assim, podemos proteger os sistemas de linhas de transmissão e podemos criar um sistema de anti-blackout mais eficaz”, conta. Nogueira também afirma que, do lado da ciência, é possível “saber com antecedência de dois a três dias quando algo pode afetar a Terra”. “Quando vemos uma erupção solar muito intensa, a gente pode rastrear a rota e se preparar para isso, optar por desligar certas coisas do que por tomar um curto-circuito”, diz.
Uma tempestade magnética é difícil de prever. Nogueira explica que as mais intensas geralmente ocorrem quando “estamos na parte máxima do ciclo Solar”, que dura 11 anos — em 2021, a Terra está bem longe do pico mais alto. As menos intensas causam pequenas perturbações e alguns animais podem ficar desorientados, como aves e baleias. “A Amas é mais um desafio tecnológico por parte dos satélites que orbitam a região porque precisam suportar uma dose maior de radiação do que em outras partes da Terra. No mais, precisamos estudar as tempestades magnéticas”, diz.
A Amas, o Triângulo das Bermudas e o GPS
Ao ouvir falar da Amas, muita gente nas redes sociais começou a pensar sobre o que isso implicava para o GPS e para o Triângulo das Bermudas. Segundo Nogueira, o fenômeno não tem nada de místico. “A Amas não afeta aviões e helicópteros, também não faz com que aviões desapareçam em viagens de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, por exemplo”, diz. “O mesmo vale se você pedir um Uber ou uma comida por aplicativo: vai chegar tudo normal, porque o GPS vai continuar funcionando. Apesar de estarmos em uma região de anomalia, ela não vai impactar diretamente na nossa vida”, brinca.
O Triângulo das Bermudas também é outra teoria que deve ser descartada, segundo Nogueira. Para ele, é preciso levar em conta as evidências — que, até o momento, para o cientista, mostram que “tudo funciona muito bem nas regiões afetadas pela Amas”.