Entrevista publicada no jornal alemão DW, de 11/02/2021
“A Campanha da Fraternidade põe o dedo na ferida”
Ao condenar a violência contra LGBTs, texto-base da campanha deste ano despertou a ira de católicos conservadores. À DW Brasil, padre diz que polarização gerada pelo governo Bolsonaro impulsionou escolha do tema.A defesa explícita e inédita da população LGBT provocou a ira de conservadores brasileiros contra os organizadores da Campanha da Fraternidade, projeto realizado anualmente desde a década de 1960 pela Igreja Católica no Brasil.
O texto-base deste ano, cujo tema reforça a importância do diálogo frente à polarização, ainda ressalta que mulheres, especialmente as negras e as indígenas, são as maiores vítimas do “sistema de violência” no Brasil, e enaltece a importância das políticas de defesa dos direitos humanos. “Uma das falsas notícias que fortalece a violência é a retórica de que direitos humanos servem apenas para defender ‘bandidos’. Esse discurso fragiliza cada vez mais os instrumentos institucionais que contribuem para a justiça”, diz o documento.
O mais polêmico parágrafo é o que afirma que “outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada e da criação de inimigos é a população LGBTQI+”. Citando a última edição do Atlas da Violência, o documento observa que, em 2018, foram registrados 1.685 casos de violência contra essa população no país. “Segundo dados do Grupo Gay da Bahia […], 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas [no mesmo ano], destas, 164 eram trans”, acrescenta. “Esses homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”, enfatiza o documento. Diante disso, a Campanha da Fraternidade passou a ser alvo de campanhas de desinformação nas redes sociais.
Abordar temas espinhosos não é novidade do projeto – que tem como premissa mobilizar comunidades de base e paróquias em todo o Brasil para debater um assunto ao longo do período da quaresma, ou seja, entre o carnaval e a Páscoa. Já foram colocados como tema os encarcerados (em 1997), a discriminação racial (1988), o tráfico humano (2014) e o desemprego (1999).
A partir do século 21, a cada cinco anos a campanha é realizada de forma ecumênica. É quando a escolha do assunto não recai somente sobre um colegiado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas sim a membros do Conselho Nacional das Igrejas Cristãos do Brasil (Conic) – também integrado pelos católicos.
O tema foi definido “sobretudo pelo que ocorreu no Brasil depois do surgimento do governo Bolsonaro, quando a sociedade ficou muito dividida”, afirmou à DW Brasil o padre Antonio Carlos Frizzo, assessor eclesiástico da Pastoral de Fé e Política e um dos secretários da CNBB responsáveis pela campanha.
DW Brasil: A Campanha da Fraternidade deste ano ainda não começou, mas um tema já está presente, sobretudo nas redes sociais: o fato de o texto-base abordar os direitos da comunidade LGBT. Como o senhor avalia essa repercussão?
Antonio Carlos Frizzo: Recentemente surgiu uma forte onda negacionista no Brasil. Negam que a vacina protege, dizem que a política é coisa suja, que a esquerda é comunista. E essa onda também é aproveitada por católicos ligados ao governo Bolsonaro, que usam robôs para divulgar nas redes sociais mentiras, para confundir e dividir a opinião da comunidade católica. O texto-base cita, sim, o movimento LGBTQI+ como vítima da intolerância. O Brasil é um dos países que mais matam pessoas transexuais. Vem aumentando o número de feminicídio e também o número de [casos de] violência institucional, militar e civil contra os negros. Por isso o texto-base usa, sim, dados para marcar e apontar a violência que se volta contra as pessoas que são homossexuais, transexuais etc., e também contra as pessoas que são ligadas a movimentos dos direitos humanos. O Brasil é uma sociedade tremendamente violenta. Não é mais cordial. Predomina a intolerância.
Considerando a polarização da sociedade, as críticas já eram esperadas?
A Campanha da Fraternidade é um patrimônio do povo brasileiro, seja organizada pela CNBB, seja feita de modo ecumênico, como a deste ano. E ela desperta [o debate] justamente porque toca o problema. Põe o dedo na ferida. Precisamos superar a violência pela força do diálogo e com a dimensão cristã dialogando. Contra todo tipo de violência: contra os negros, as mulheres, os LGBTs e, sobretudo, a violência contra a natureza. E [precisamos] fazer do diálogo uma força para aumentar nossa participação no universo da política.
Nesse cenário, na política, está a força para criar leis que garantam políticas públicas voltadas para os pobres, contra a pobreza, e pela preservação da natureza. Nós vamos, sim, responder a esses críticos. Não vamos deixar passar. São pessoas mentirosas, que usam as redes sociais [para propagar desinformação].
E, no Brasil, desde a ascensão do Bolsonaro, as fake news, as mentiras que parecem verdade, pululam nas redes sociais. Desta vez é um grupo chamado [Centro] Dom Bosco*, que não tem nada de Dom Bosco*, que fez um vídeo falando mal da campanha, de maneira muito mentirosa e violenta.
*O Centro Dom Bosco é uma organização católica sediada no Rio de Janeiro, conhecida por posturas ultraconservadoras. Já Dom Bosco foi um sacerdote italiano que viveu entre 1815 e 1888, reconhecido como santo em 1934 e considerado pela Igreja como “pai e mestre da juventude”.
Como foi escolhido o tema deste ano?
O tema é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema é “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. O Conic se encontrou e definiu o tema “diálogo”, sobretudo pelo que ocorreu no Brasil depois do surgimento do governo Bolsonaro, quando a sociedade ficou muito dividida. Lulistas e bolsonaristas, esquerda e direita… E uma forte onda negacionista dizendo que não existe pobre, que foram as esquerdas que levaram o país à ruína… Ficou muito dividida a sociedade. E a Igreja também. Este tema é para tentar buscar superar essa divisão por meio do diálogo. Assim como acontece com os efésios [conforme o livro bíblico Epístola aos Efésios], quando os judeus puderam dialogar com os pagãos, e os pagãos com os judeus. Não é fácil, porque há um crescimento enorme da pobreza no Brasil e um governo tremendamente de extrema direita.
A Campanha da Fraternidade não se furta a debater grandes temas de interesse da sociedade. Como trazê-los de forma simples sem perder a profundidade?
Os temas são fáceis de serem abordados porque as comunidades já estão acostumadas a relacionar a bíblia com a vida e a vida com a bíblia. Não há tema impossível de ser refletido. Os subsídios são feitos sempre segundo o método ver, julgar, agir e celebrar. Tornam-se, assim, muito atraentes. É simples e prazeroso. As comunidades já estão acostumadas a se reunir em torno de um tema.
Em tempos de pandemia, há alguma orientação especial para os tradicionais encontros da campanha que costumam ocorrer nas casas das pessoas participantes ao longo da quaresma?
Com quase um ano de pandemia, os grupos já estão habituados a fazer seus encontros pelo Google Meet, pelo Zoom. Todo mundo entra no link no horário combinado e se faz a reunião. Ou então, que sejam [realizadas] nos quintais das casas, todos de máscaras, e em grupos de [no máximo] quatro ou cinco pessoas.
Papa Francisco defende união civil homossexual
https://www.dw.com/pt-br/papa-francisco-defende-uni%C3%A3o-civil-homossexual/a-55351861
Pela primeira vez desde que assumiu a liderança da Igreja Católica, pontífice se manifesta a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo. “Gays têm direito a ter família, são filhos de Deus”, diz em documentário.
A união de casais homossexuais recebeu a mais explícita aprovação do papa Francisco, a primeira desde que ele se tornou líder da Igreja Católica, em 2013. O endosso foi divulgado em um documentário que estreou nesta quarta-feira (21/10) no Festival de Cinema de Roma. Em Francesco, o pontífice pede uma “lei de união civil” que permita que pessoas LGBTs “estejam em uma família”. “Os homossexuais têm direito a ter uma família, são filhos de Deus […]. Ninguém pode ser expulso de uma família, e a vida dessas pessoas não pode se tornar impossível por esse motivo.”
Francisco já havia se pronunciado a favor da união civil entre pessoas do mesmo sexo anteriormente, mas quando servia como arcebispo de Buenos Aires. Na ocasião, ele saudou tais uniões como uma alternativa ao casamento gay, mas se opôs ao casamento em si. Desde que assumiu a cadeira papal, portanto, esta é a primeira vez em que o pontífice de 83 anos endossa publicamente a união civil homossexual. “O que temos que fazer é uma lei de união civil. Eles têm o direito de ser cobertos legalmente. Eu defendi isso”, afirma o papa no documentário de duas horas, que trata sobre os sete anos de seu pontificado com depoimentos e entrevistas.
A Igreja Católica perseguiu gays durante grande parte de sua história, e ainda vê a homossexualidade como uma “desordem intrínseca”. A igreja também ensina que atos homossexuais são pecaminosos, mas sua postura moderna prega que ser gay não é um pecado por si só. O autor jesuíta James Martin, que atua como consultor do Secretariado de Comunicações do Vaticano, elogiou a medida do papa como um “grande passo à frente”. “Ela está de acordo com sua abordagem pastoral à comunidade LGBT, incluindo católicos LGBT, e envia um forte sinal aos países onde a Igreja se opõe a tais leis”, escreveu ele no Twitter.
Um telefonema do papa
O documentário foi dirigido pelo cineasta Evgeny Afineevsky, um cidadão americano nascido na Rússia e de origem judaica. Além do papa, a produção também é estrelada por outros clérigos, bem como um sobrevivente gay de abuso sexual. Um dos momentos mais emocionantes do longa detalha a interação entre o papa e um homossexual que, junto com seu companheiro, adotou três filhos. O homem afirmou ter entregado uma carta a Francisco explicando sua situação, dizendo que ele e seu parceiro queriam criar os filhos como católicos, mas não sabiam como seriam recebidos.
Dias depois, o pontífice teria ligado para o homem dizendo que ficou comovido com a carta e pedindo-lhe que apresentasse as crianças à paróquia local, apesar da possível oposição. “O fio condutor deste filme é mais sobre nós como seres humanos, que estamos criando desastres todos os dias. E ele [o papa] é quem está nos conectando por meio desses fios”, disse o diretor do filme em uma entrevista. Afineevsky, que compareceu à audiência geral do Papa no Vaticano na quarta-feira, ganhou o Prêmio Kineo de Humanidade com Francesco. A premiação é voltada a quem promove questões sociais e humanitárias.
União Europeia garante direito de residência a casais homossexuais
Tribunal de Justiça europeu decide que países-membros devem garantir o direito de todos os cônjuges à residência, mesmo que não reconheçam o casamento gay. Veredicto é resposta a ação movida por casal romeno-americano.
O Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) decidiu, nesta terça-feira (05/06), que homossexuais casados têm os mesmos direitos de residência e circulação no bloco que casais heterossexuais.
De acordo com a mais alta corte europeia, mesmo que não permitam o casamento gay, países-membros da UE devem reconhecer o direito de todos os cônjuges à residência. “Embora os Estados-membros [da UE] tenham a liberdade de autorizar ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo, eles não podem impedir a liberdade de residência de um cidadão da UE ao recusar conceder ao seu cônjuge do mesmo sexo, nacional de um país que não é Estado-membro da UE, um direito derivado de residência em seu território”, disse o Tribunal de Justiça da UE.
O veredicto é uma resposta a uma ação judicial movida pelo ativista LGBT romeno Adrian Coman e seu parceiro americano, Claibourn Robert Hamilton, que obtiveram sua certidão de casamento na Bélgica em 2010. O caso começou em 2012, quando o casal tentou se mudar para a Romênia.
A legislação da União Europeia permite que um cônjuge que não seja cidadão de um dos países do bloco se junte a seu parceiro europeu no Estado-membro onde este reside. As autoridades de imigração da Romênia, no entanto, se recusaram a reconhecer legalmente a união de Coman e Hamilton, pois o casamento gay não é reconhecido no país.
Coman e Hamilton entraram, então, com um processo contra o governo romeno sob a alegação de que o direito à liberdade de circulação dentro da União Europeia havia sido violado. O Tribunal Constitucional da Romênia remeteu o caso para o Tribunal de Justiça da UE.
A decisão desta terça-feira tem implicações para dezenas de milhares de casais do mesmo sexo em Romênia, Polônia, Eslováquia, Bulgária, Lituânia e Letônia – países-membros da UE que atualmente não oferecem proteção legal para casais homossexuais.