Católicos LGBTQIA+ assumem sexualidade e criticam discriminação da Igreja na Alemanha
Movimento reúne padres e profissionais que prestam serviço para a instituição
Um grupo de 125 católicos alemães LGBTQIA+ denunciou nesta segunda-feira (24) o que eles chamam de política discriminatória da Igreja. No documento, eles revelam sua sexualidade, “para não se esconder mais”. Os padres, ex-sacerdotes, professores de teologia contratados pela instituição, voluntários das paróquias e praticantes da religião escreveram um manifesto publicado na internet e nas redes sociais com a hashtag #OutInChurch e a mensagem “por uma Igreja sem medo”. No texto, os fiéis se opõem à doutrina católica e afirmam que orientação sexual, identidade de gênero ou um relacionamento não heterossexual não devem ser “um obstáculo ao emprego ou motivo de demissão”.
O grupo pede “uma mudança no código trabalhista discriminatório da Igreja Católica” e a eliminação da “redação degradante e excludente” de regulamentos da instituição. De acordo com o documento, um “sistema de encobrimento, padrões duplos e desonestidade” cerca a questão LGBTQIA+ na religião. “Queremos poder viver e trabalhar na Igreja abertamente como pessoas LGBT+ sem medo.” O ministro da Justiça da Alemanha, Marco Buschmann, foi uma das autoridades que apoiaram a iniciativa. “Ninguém deve ser desfavorecido por causa de sua identidade sexual”, disse, destacando que instituições católicas são “um dos empregadores mais importantes do país”. Segundo o governo, as igrejas protestante e católica empregam cerca de 1,3 milhão de pessoas —o que as transforma nos maiores empregadores depois do setor público.
“Não quero mais me esconder”, disse à agência AFP Uwe Grau, um padre gay da diocese de Rothenburg-Stuttgart, no sul do país.
Stephan Schwab, 50, também revelou sua orientação sexual no site do coletivo. “Acredito firmemente que faço um bom trabalho mesmo sendo um padre gay.” Há um ano, ele não hesitou em celebrar uma missa para homossexuais em sua igreja em Würzburg.
A questão da identidade LGBTQIA+ vem sendo debatida no Vaticano, com o atual pontífice tendo feito uma declaração que foi considerada a mais forte de um papa em defesa dos direitos dessas populações. Em um filme lançado em 2020, Francisco disse que casais homoafetivos devem ser protegidos por leis de união civil —ecoando um pouco uma posição de quando era arcebispo de Buenos Aires e citou a necessidade de haver algum tipo de proteção legal a casais gays.
“Pessoas homossexuais têm o direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deveria ser descartado [dela] ou ser transformado em miserável por conta disso”, afirmou, no documentário “Francesco”.
Ainda assim, com aval do papa, em março do ano passado, o Vaticano determinou que padres e outros ministros não podem abençoar uniões entre pessoas do mesmo sexo e que, caso isso seja realizado, deve ser considerado ilícito.
À época, nota da Congregação para a Doutrina da Fé afirmou que “Deus não pode abençoar o pecado”, mas não excluiu a possibilidade de que bênçãos sejam concedidas a “pessoas com inclinações homossexuais que manifestem a vontade de viver em fidelidade aos desígnios de Deus”.
O documento divulgado nesta segunda na Alemanha pede ainda que declarações difamatórias sobre gênero e sexualidade sejam removidas do ensino religioso e que pessoas LGBTQIA+ tenham acesso aos sacramentos católicos e a todos os campos profissionais da Igreja.
O arcebispo de Hamburgo, Stefan Hesse, apoiou a iniciativa do coletivo #OutInChurch. “Uma Igreja na qual se deve esconder sua orientação sexual não pode, na minha opinião, estar no espírito de Jesus.” O religioso se disse defensor de uma mudança na “moral sexual e na lei trabalhista da Igreja”.
O manifesto segue essa lógica ao sustentar que declarações depreciativas da Igreja sobre relações entre pessoas do mesmo sexo não são mais aceitáveis à luz do conhecimento científico. “Tal discriminação é uma traição ao evangelho.”
Ao jornal alemão Bild, Monika Schmelter, ex-diretora de um centro da associação Caritas, e Marie Kortenbusch, professora de teologia, contaram que esconderam seu relacionamento por 40 anos, por medo de perder o emprego antes de agora enfim se assumirem —dois anos após o casamento secreto. “Acho maravilhoso que agora eu possa falar em nome de pessoas que ainda vivem com medo”, disse Kortenbusch.
A iniciativa quer mobilizar o público para criar uma forma de pressão ao Vaticano e pretende angariar mais apoios entre bispos. De acordo com a rede DW, cerca de 30 associações e organizações católicas já expressaram solidariedade ao manifesto.
Segundo o padre Bernd Mönkebüscher, de Hamm, que já havia encabeçado serviços de bênção para casais homossexuais no ano passado, a campanha foi inspirada em uma ação similar feita por 185 atores alemães. Os profissionais criticaram o fato de muitos artistas não poderem falar abertamente sobre sua sexualidade por temerem desvantagens profissionais.
A Igreja Católica autoriza o casamento apenas entre um homem e uma mulher e historicamente se opõe a outras formas de união. Os ensinamentos católicos consideram atos sexuais entre pessoas de mesmo gênero um pecado, embora indiquem que pessoas LGBT+ devem ser tratadas com dignidade.
Francisco, que lidera a Igreja desde 2013, não mudou dogmas e já criticou o que chamou de “teoria de gênero” como um “projeto ideológico”, mas tem adotado uma postura mais aberta no tema —de resto criticada pelos conservadores. Ele disse, por exemplo, que jamais poderia julgar um gay, sinalizou que os católicos devem acolher crianças de casais do mesmo sexo e recebeu transexuais e defensores do aborto em audiências.
Um dos principais opositores ao casamento gay na Igreja é o papa emérito Bento 16. Em uma biografia autorizada, ele comparou a prática ao “anticristo”.