As criaturas que não envelhecem e ajudam a revelar segredos do cérebro
Por Ashley Maynard, The Conversation*, 13 setembro 2022
Axolote (Ambystoma mexicanum) é uma salamandra aquática originária do México, conhecida pela sua capacidade de regenerar sua medula espinhal, seu coração e seus membros. Estes anfíbios também produzem novos neurônios facilmente ao longo de suas vidas.
A morte é mesmo inevitável?
Em 1964, pesquisadores constataram que axolotes adultos podem regenerar partes do cérebro, mesmo se um grande pedaço dele for completamente removido. Mas um estudo concluiu que a regeneração cerebral do axolote tem capacidade limitada de reconstrução da estrutura do tecido original.
Qual será o grau de perfeição que o axolote pode atingir ao regenerar seu cérebro depois de lesionado?
Como pesquisadora, estudo a regeneração no nível celular. Eu e meus colegas do Laboratório Treutlein do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, e do Laboratório Tanaka do Instituto de Patologia Molecular de Viena, na Áustria, imaginamos se os axolotes seriam capazes de regenerar todos os tipos de células existentes no cérebro — incluindo as conexões entre as diferentes regiões do cérebro. Recentemente, publicamos um estudo criando um mapa das células que compõem uma parte do cérebro do axolote, esclarecendo sua forma de regeneração e a evolução cerebral em diferentes espécies.
Por que estudar as células?
Tipos diferentes de células possuem funções distintas. Elas podem especializar-se em certas funções, pois cada uma delas expressa genes diferentes. Compreender quais tipos de células existem no cérebro e o que elas fazem ajuda a esclarecer o quadro geral de funcionamento do cérebro. E também permite que os pesquisadores façam comparações ao longo da evolução para tentar descobrir as tendências biológicas entre as diferentes espécies. Uma forma de entender quais células expressam quais genes é o uso de um método conhecido como sequenciamento de RNA de célula única (scRNA-seq, na sigla em inglês). Esta ferramenta permite que os pesquisadores contem a quantidade de genes ativos no interior de cada célula de uma amostra específica. Ela mostra um retrato das atividades realizadas por cada célula no momento da sua coleta. Este método é fundamental para compreender os tipos de células existentes no cérebro dos animais. Os cientistas vêm usando scRNA-seq em peixes, répteis, camundongos e até em seres humanos. Mas estava faltando uma peça importante do quebra-cabeça da evolução do cérebro: os anfíbios.
Mapeamento do cérebro do axolote
Nossa equipe decidiu concentrar-se no telencéfalo do axolote. Nos seres humanos, o telencéfalo é a maior porção do cérebro. Ele contém uma região conhecida como neocórtex, que desempenha papel fundamental no comportamento e na cognição dos animais. Ao longo da evolução recente, o neocórtex aumentou imensamente de tamanho em comparação com outras regiões do cérebro. E, de forma similar, os tipos de células que compõem o telencéfalo passaram por grande diversificação e crescimento da sua complexidade ao longo do tempo, tornando essa região uma área de estudo fascinante. Nós usamos scRNA-seq para identificar os diferentes tipos de células que compõem o telencéfalo do axolote, incluindo diferentes tipos de neurônios e células de progenitores, ou células que podem dividir-se ou transformar-se em outros tipos celulares.
Nós identificamos quais genes estão ativos quando as células progenitoras tornam-se neurônios e concluímos que muitas delas passam por um tipo intermediário de célula denominado neuroblastos (cuja existência em axolotes até então era desconhecida), antes de se tornarem neurônios maduros. Em seguida, nós incluímos a regeneração do axolote no teste, removendo uma seção do seu telencéfalo. Utilizando um método específico de scRNA-seq, conseguimos capturar e sequenciar todas as células novas em diferentes estágios de regeneração, de uma a 12 semanas após a lesão. Por fim, concluímos que todos os tipos celulares removidos haviam sido totalmente restaurados. Observamos também que a regeneração do cérebro acontece em três fases principais. A primeira fase começa com um rápido aumento da quantidade de células progenitoras, em que uma pequena fração dessas células ativa um processo de cura de feridas. Na segunda fase, as células progenitoras começam a diferenciar-se em neuroblastos. E, por fim, na terceira fase, os neuroblastos diferenciam-se nos mesmos tipos de neurônios que foram perdidos originalmente. Surpreendentemente, também observamos que as conexões neuronais interrompidas entre a área removida e outras regiões do cérebro haviam sido refeitas. Essa reconexão indica que a área regenerada também recuperou sua função original.
Cérebros de anfíbios e de seres humanos
Acrescentar os anfíbios ao quebra-cabeça evolutivo permite que os pesquisadores descubram como o cérebro e seus tipos celulares se alteraram ao longo do tempo, bem como os mecanismos por trás da regeneração. Ao comparar nossos dados sobre o axolote com outras espécies, descobrimos que as células do seu telencéfalo exibem forte similaridade com o hipocampo dos mamíferos — a região do cérebro envolvida na formação da memória — e com o córtex olfativo — a região do cérebro envolvida no sentido do olfato.
Em um tipo de célula do axolote, nós chegamos a encontrar similaridades com o neocórtex, a região do cérebro conhecida pela percepção, pensamento e raciocínio espacial em seres humanos. Estas similaridades indicam que essas regiões do cérebro podem ter sido conservadas ou permanecido comparáveis ao longo da evolução — e que o neocórtex dos mamíferos pode ter um tipo de célula ancestral do telencéfalo de anfíbios.
O nosso estudo ajuda a esclarecer o processo de regeneração cerebral, incluindo quais os genes envolvidos e como as células acabam por transformar-se em neurônios, mas ainda não sabemos quais sinais externos dão início ao processo. E também não sabemos se os processos identificados ainda são acessíveis aos animais que evoluíram posteriormente, como os camundongos e os seres humanos. Mas não somos os únicos tentando resolver o quebra-cabeça da evolução do cérebro.
O Laboratório Tosches, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, explorou a diversidade dos tipos celulares em outra espécie de salamandra, a Pleurodeles waltl. Já o Laboratório Fei, da Academia de Ciências Médicas de Guangdong, na China, e seus colaboradores da empresa chinesa de ciências biológicas BGI pesquisaram a disposição espacial dos tipos de células no prosencéfalo do axolote. Identificar todos os tipos de células no cérebro do axolote também ajuda a abrir o caminho para pesquisas inovadoras no campo da medicina regenerativa.
Os cérebros de camundongos e seres humanos perderam grande parte da sua capacidade de reparo ou regeneração. As intervenções médicas atuais sobre danos cerebrais graves concentram-se em terapias com células-tronco e medicamentos para reforçar ou acelerar reparos. Examinar os genes e tipos de células que permitem que os axolotes realizem sua regeneração quase perfeita pode ser a chave para melhorar o tratamento de lesões graves e revelar o potencial de regeneração em seres humanos.
* Ashley Maynard é candidata ao título de PhD em biologia do desenvolvimento quantitativo no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.