Por José Joacir dos Santos, jornalista e psicoterapeuta
Na noite passada, tive um sonho no qual estava no que parecia uma mistura de Belém do Pará com as cidades de Andaluzia, na Espanha. Estava com um grupo de pessoas que não conheço nesta vida e andávamos pelas ruas antigas da cidade, cheias de prédios maravilhosos, de arquitetura antiga, muito antiga. Entrávamos em um lugar e noutro onde havia dança e falávamos espanhol. Ao longo das ruas, cantávamos músicas antigas e românticas de autores de origem espanhola. Se tivesse aquela voz nesta vida, seria um famoso cantor.
Numa das paradas, enquanto cantava, saquei de um dos bolsos, daquela roupa também antiga, um pequeno vidro de perfume. Abri o vidro e todo o grupo queria provar porque o aroma tomou conta do lugar de tão maravilhoso que era. Na medida em que elas provavam o perfume, seus corpos se modificavam e se materializavam no tempo e na memória daquele antigo perfume. Foi um choque ver o desdobramento daquelas pessoas, como se trocassem de corpos e roupas bem ali na minha frente, por causa da memória do perfume em seus espíritos eternos.
Já sabia da existência da memória celular porque pude sentir sua manifestação em muitos lugares do mundo onde andei. Os cheios nos remetem às memórias desta e de outras vidas. Quem não teve a lembrança de uma pessoa quando sentiu o perfume que ela usava? E os cheiros da infância que carregamos por toda a vida? Os cheios são parte inseparável da nossa existência. A habilidade de sentir odor ou perfume, o cheiro de todas as coisas, mesmo daquelas que parecem não ter cheiro nem um nem outro, faz parte da constituição humana acoplada a um espírito. Acredito que nos animais, pássaros, répteis e todo ser vivente também tem essa habilidade.
Como nada é separado no universo em que vivemos, os cheiros estão relacionados à preservação das espécies e do próprio planeta. Sem árvores, as chuvas não acontecem; sem chuva a vida desaparece. Sem a preservação das matas com tudo o que existe nelas, inclusive os índios, a vida desaparece da face da terra. Neste contexto, como poderíamos viver sem as abelhas? Pouca gente sabe que esse inseto voador não existe a polemização e sem elas não nascem as flores nem os frutos. Quantos medicamentos só existem por causa das abelhas?
Em 1997, a Organização Mundial da Saúde, através da UNESCO, criou normas para a proteção do patrimônio cultural imaterial ou intangível, que foi adotada pela Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial e adotada pela UNESCO, em 2003. Esse patrimônio “abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade, para as gerações futuras. São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições”. Nesse contexto, “as técnicas de perfumaria da região de Grasse, no sudeste de França, foram declaradas Património Cultural Imaterial da Humanidade por um comité especializado da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Estas técnicas assentam em três vertentes diferentes: o cultivo de plantas para perfumes, o conhecimento e o processamento de matérias-primas naturais e a arte da composição de fragrâncias”[1].
O inverso dessa história podemos verificar com as pessoas que contraem o vírus Covid-19. A capacidade do olfato desaparece. Quando a pessoa entra em processo de óbito, por qualquer motivo, também perde o senso de cheiro ou odor. Quem já teve o desprazer de adquirir uma gripe e ficar congestionado ao ponto de também perder essa maravilhosa sensação humana?
O perfume das flores, da relva e dos campos tem a capacidade de renovar a energia do espírito humano. O odor dos esgotos tem a capacidade de nos fazer sentir que aquele odor é emanado do nosso próprio corpo e isso produz várias sensações desagradáveis. Aglomerado de prédios, nas grandes cidades, inclusive no litoral Atlântico, propicia depressão. Muita gente não sabe que isso vem do cheiro excessivo de concreto e ausência de árvores. Quando a vida desvanece, o odor toma conta. Espíritos trevosos fedem a aço, alumínio e enxofre; a energia de Maria, mãe de Jesus, cheira como a mais pura e fresca das rosas e eu tive o privilégio de senti-lo diversas vezes. Filhos da energia vital universal, os óleos essenciais equilibram o nosso corpo, nossos chacras e até pode ajudar a aliviar dores e doenças. O cheiro do café denuncia quem o faz e desperta as mais diferentes sensações em quem passa por perto, mesmo não tomando café. O cheiro da terra molhada no campo é um reforço de ânimo e vida para humanos e animais.
A vida na terra precisa do equilíbrio para exalar seu perfume. Com a Covid-19, quem tinha dúvidas de que parte da humanidade é destrutiva, acabou: pessoas saíram para bares enquanto o país atingia 60 mil mortes pela Covid-19; comerciantes brigaram com prefeitos para abrir suas lojas achando que álcool e máscara era o bastante para evitar o contágio. Particularmente não acredito na inocência deles. Por outro lado, quando a população foi obrigada a ficar em casa, o ar das cidades ficou mais limpo, a água mais cristalina, os animais mais felizes. Quem ainda tem dúvida que essa pandemia é o resultado do ódio que a humanidade desenvolveu contra si mesmo desde centenas de anos atrás e reativou a partir de 2012?
A nossa responsabilidade em resgatar o equilíbrio do planeta só aumenta a cada dia, especialmente quando vemos o plástico invadir rios, mares e matar animais inocentes. Quem nunca ouviu o choro de uma floresta em chamas? Enquanto isso, as pessoas se contaminam, morrem e não sabem o por quê.
Os inimigos das florestas são facílimos de serem identificados: estão nas primeiras páginas de jornais. São poderosos e têm a governança de países em suas mãos. As vezes usam, em vão, o nome de Deus e até se escondem em religiões duvidosas. Mas o planeta não pertence só a eles. Somos todos responsáveis e precisamos preservá-lo a qualquer custo. Aparentemente isso só é possível pelo voto.
A essência humana positiva é responsável por milhares de obras maravilhosas que nos tirou desde a ignorância das cavernas aos dias da internet. Sim, o progresso humano tem um preço alto. Sabemos que não precisa ser assim. Na medida em que nos distanciamos da essência humana nos tornamos máquinas destruidoras que só contribuem com a materialização de objetos e formas de destruição. O mar é dos peixes. A floresta dos índios, gaivotas, cobras, insetos etc. Todos dependemos das florestas. Precisamos urgente preservar o nosso património intangível, invisível, imaterial, desconhecido para alguns, porque as forças da destruição estão em todo lugar.
Precisamos agir com urgência para movimentar esforços e guardar para as gerações futuras o cheiro das rosas dos campos, das manhãs, dos entardeceres, da pureza do nosso espírito eterno. Precisamos parar de fabricar plástico e tudo o que polui e cria lixões. Se somos capazes de fazer um avião voar, por que não seríamos capazes de não poluir? Por que há políticos contra o meio-ambiente?
A essência e o cheiro do limão, do alho, dos livros e de todo patrimônio das ancestralidade precisa percorrer nosso sangue para relembrar nossa história anterior, reativar a memória de todos os dias em que fomos mais felizes, sem necessitar de isolamento social nem de ter que conviver com medo e ódio dos nossos semelhantes.
[1] https://www.elle.pt/beleza/unesco-grasse-patrimonio-imaterial/18/08/2020