Por José Joacir dos Santos, psicanalista e psicoterapeuta
A sexualidade é o maior poder criativo do ser humano. Junta o instinto com a consciência. Promove o bem-estar físico, mental, emocional e espiritual. Os desvios sexuais ocorrem quando o indivíduo é reprimido em suas expressões físicas, mentais, emocionais e tem a espiritualidade como forma repressora dos seus instintos e de sua consciência. O que é desvio sexual? É o uso indevido da sexualidade: abuso, estupro, violência. E o que é uso indevido? É o uso da energia sexual para a maldade, a violência, a magia negra, a obsessão, que nada tem a ver com gênero. No Brasil, as igrejas castradoras distorcem o assunto, tentando convencer seus seguidores a direcionar a inteligência sexual contra si mesmo. E tem sucesso quando o indivíduo se deixa escravizar pelas suas ideologias que só favorecem aos que estão no poder. Após a eleição de 2018, a nação brasileira testemunhou a tentativa do governo federal em intimidar e interferir na educação sexual das pessoas.
As genitálias humanas não pensam, não têm sentimento e não diferenciam os gêneros. Estão a serviço do impulso emocional, do sentimento, da intenção mental. Não são bombas que podem explodir a qualquer momento, sem controle. Agem pelo comando mental, seja amoroso ou destrutivo. São controladas pelo corpo emocional, que é totalmente vulnerável às lavagens cerebrais intencionais de grupos, religiões e crenças familiares. A expressão cultural, em forma de arte e beleza, só eclode quando o indivíduo está desimpedido emocionalmente de expressar sua sexualidade, seja qual for a forma e o gênero. A repressão da sexualidade provoca doenças físicas, mentais e emocionais porque faz parte do sistema elétrico do ser humano. Como tudo isso está ligado ao espírito, provoca também a doença do espírito, e isso já levou muita gente a hospitais psiquiátricos indevidamente. As lideranças políticas e religiosas reprimem o sexo porque sabem que sem essa energia ativa e feliz o ser humano fica totalmente rendido e fácil de ser manipulado. Aí entram as mentiras e as lavagens ideológicas.
É a família quem se coloca a serviço dos controladores do poder para reprimir seus filhos desde a mais tenra idade e assim aparecer bem para seus dominadores. Seria uma espécie de troca de favores, em detrimento da felicidade dos filhos. Quando houve a revolução comunista na Rússia e na China, jovens eram aliciados pelos líderes políticos para dedurar seus pais — se eles transgredissem as normas do poder estabelecido. Os crimes sexuais, como a pedofilia, são o resultado da repressão do sistema de poder prevalecente em qualquer país. Um dos países onde mais estupro ocorre é a Índia, onde o cruel sistema de casta divide as pessoas por suas posses e ancestralidade. Sexo é reprimido de todas as formas e está vinculado, naquele país, ao casamento arranjado, onde as pessoas se conhecem no dia do casamento. Onde quer que haja repressão, é claramente uma decisão política. Quando eu morei na Índia e vi, longe de qualquer influência, a estrutura das castas, cuidadosamente mantida pelos políticos, seitas e religiões, inclusive o comércio do casamento arranjado, passei a questionar qualquer técnica indiana atual de iluminação. Como você pode se iluminar com o sofrimento coletivo?
Os líderes e sistemas políticos dão carta branca para aqueles que esperam todas as possibilidades de usar o poder para o auto favorecimento, nem que isso seja a criminalidade. Quanto mais educada e livre for a sociedade, menor será o nível de criminalidade. Quando mais felizes as pessoas forem para expressar sua sexualidade, mais progresso, paz, respeito e tranquilidade a sociedade vai desfrutar. Onde há crimes sexuais, como o estupro, é sinal de alarme das mazelas das lideranças políticas. Nos séculos passados, enquanto a igreja católica reprimia a sexualidade e interferia na vida íntima das pessoas, inclusive no Brasil, propiciou o aparecimento do desrespeito, da intolerância e dos crimes sexuais dentro da própria igreja. Para sofisticar esse sofrimento, a igreja apontou o dedo e demonizou a homossexualidade para esconder suas próprias masmorras. O pano de fundo da escravidão era o comércio sexual das pessoas.
A igreja católica criminalizou a homossexualidade para poder doutrinar as consciências e tomar o poder, não só nos domínios de Roma, mas em países onde a sexualidade era livre e harmônica por séculos seguidos, como na Grécia e Índia. A rainha Vitória, da Inglaterra, teve filhos com muitos homens, até com seguranças escravizados e mesmo assim reprimiu as manifestações da sexualidade, tradicionalmente milenares na Índia. A história de Roma e dos romanos, tem altos e baixos dos dois lados do uso da energia sexual: o positivo e o negativo. No positivo, a tradição cultural daquela parte da Itália era muito parecida com a de países vizinhos com a Grécia, onde a iniciação sexual era sempre entre homens. Eles se casavam com mulheres, mas podiam manter seus amantes, dentro de casa. No continente hindu, onde hoje está a Índia, essa cultura também existia.
Com a ascensão do cristianismo, os imperadores romanos publicaram leis segundo as quais o cidadão romano poderia fazer sexo com outro homem, desde que não fosse um cidadão romano. Os senadores não respeitavam muito aquelas normas. Eles adoravam escolher os melhores gladiadores para a festa na cama, mesmo aqueles casados. Os soldados romanos, ocupados com a manutenção da ocupação militar do império em várias partes do mundo, também ignoravam aquelas normas. Muitos deles preferiam manter escravos sexuais entre os prisioneiros de guerra, todos homens. Paulo, o apóstolo conhecia muito bem o comércio sexual dos soldados romanos. Ironicamente, ele foi um dos responsáveis pela criminalização da homossexualidade na igreja de Roma. Na Itália como um todo e na Roma política, antes, durante e depois do cristianismo, o sexo sempre foi a moeda de troca, até entre famílias nobres. Soldados romanos traziam escravas sexuais de todas as províncias dominadas, escolhidos entre os militares derrotados. O cristianismo se aproveitou dos inúmeros assassinatos entre famílias, contra imperadores e gente da realeza para implantar suas idéias de culpa e pecado. Nos dias atuais, no Brasil, as igrejas cristãs quase vazias, quem tomou o controle da repressão foram os evangélicos, embora já tenham feito isso em muitos outros países, inclusive sobre o patrocínio de reis desequilibrados como Henrique VIII, da Inglaterra.
A demonstração de poder, seja qual for, é uma tentativa do indivíduo de desviar a atenção dos seus conflitos sexuais internos. É isso que ocorre com o indivíduo homofóbico. Ele agride, escolhe suas vítimas entre os mais medrosos e fragilizados para torturar e assim parecer que é superior em todos os sentidos da vida, quando, na verdade, está escondendo as suas inquietudes mais obscuras. Por trás de todo homofóbico há um desequilibrado sexual que tenta se esconder. É também uma forma de atingir o domínio sobre os indivíduos vinculados. Quem empodera o homofóbico, o racista, o criminoso, é quem está no poder político.
Quando a religião usa deus para reprimir a energia sexual é porque é destituída de qualquer argumento espiritual de qualidade e boa procedência. Perdeu a noção do que é sagrado. Conhece as fragilidades humanas e sabe que a sexualidade é um alvo fácil e incontestável. Conhece o teor e o medo a deus que implantou ao longo dos séculos. Sabe muito bem usar as lavagens cerebrais que priorizam o temor a deus. Sabe que o instinto sexual que o universo acoplou ao sistema físico humano é um caminho libertador que está acima da necessidade de reprodução e procriação.
Ao venderem a falsa afirmação de que são representantes de deus na terra, os líderes religiosos se apoderam da fragilidade e do medo em nome de deus, incorporado na humanidade pelo sofrimento em busca da sobrevivência. Quando algo sai errado, o indivíduo imediatamente culpa a deus, especialmente se for uma pessoa carente e fragilizada emocionalmente. Essa é uma estratégia de guerra: quando o inimigo se mostra fragilizado, com medo, temeroso, é hora de atacar para vencer a batalha. Assim, a religião ameaça com deus para reprimir e manter o fiel debaixo de suas inúmeras formas de poder, fazendo o indivíduo acreditar que é o poder de deus que o castiga e esse deus é cruel, implacável, incapaz de perdoar um só item da lista de pecado das igrejas.
Na Alemanha nazista houve momentos em que os soldados agiam por sua própria conta, empoderados pelo ódio e pelos discursos de seus líderes, fazendo suas próprias traduções do que achavam que tinham compreendido e isso resultou em milhares de assassinatos. No Brasil do presidente Bolsonaro acontece algo parecido. Empoderados pelos discursos inflamados do presidente, indivíduos desequilibrados, mal-intencionados e até deturpadores do que escutaram, passaram a agir por conta própria em nome do líder. Cito em um dos meus livros um fato que ocorreu na China durante a revolução comunista. Isso ocorre e já ocorreu em muitas partes do mundo, onde o padrão e a frequência energética do líder são traduzidos pelo público pouco esclarecido ou destituído de consciência como poder coletivo. Ele faz e eu replico. Se ele pode, eu posso.
Um dos piores exemplos dessa paralização cerebral, quase que um estado de letargia, aconteceu na revolução comunista na China. Um soldado ligou para o quartel general de outra província para se queixar com o chefe que a comunidade em que estava se recusava a se converter ao comunismo. Irritado, o líder do outro lado da linha disse: mate todos e faça uma sopa. O soldado não só ordenou a morte de todas as pessoas daquela comunidade como fez seus subordinados catar todas as panelas grandes e fazer sopa dos corpos. Havia, também, na região escassez de comida. E o soldado ainda teve a capacidade de registrar tudo no livro de campanha de sua guarnição militar.
A energia sexual foi acoplada no corpo físico do ser humano para facilitar o processo de criatividade e sobrevivência. Quando o ser humano se desequilibra, passa a agredir a si mesmo ou a quem estiver ao seu redor. Quando isso acontece, o indivíduo está literalmente utilizando o potencial dessa energia do lado negativo. E isso pode ser muito destruidor porque a energia sexual não faz julgamento do seu uso. É como um carro que vai para onde o motorista decidir. Por isso, a tentativa de vincular a sexualidade a deus e criminalizar o gênero, pelo pecado ou pela aparência física, é um triunfo da ignorância. O maior mestre de todos os tempos, Jesus, jamais mencionou a sexualidade e nem discriminou ninguém com base nas genitálias.
A herança cultural de vinculação das genitálias a deus está camuflada na necessidade dos antigos líderes de procriar para ter homens fortes para a guerra e com isso garantir o poder. Enquanto a encenação do ódio e do castigo é mantida nos templos, os jornais brasileiros e do mundo mostram escândalos dentro das seitas e religiões com lavagem de dinheiro, corrupção, venda mentirosa da salvação e até envolvimento com o tráfico de drogas e armas. Tomara que um dia o povo descubra o quanto é usado em nome de deus e que deus jamais necessitou de intermediário para suas conexões.
Sempre é bom lembrar que os índios brasileiros receberam os colonizadores europeus despidos porque não havia os castigos de deus em sua cultura. 23/08/2020