Por Laura Plitt, BBC News Mundo, 27/12/2020
Depois dos acidentes de trânsito, as quedas são a segunda maior causa de morte acidental no mundo. De acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde de 2018, cerca de 646 mil pessoas morrem a cada ano por isso, enquanto 37,3 milhões de quedas são graves o suficiente para exigir cuidado médico. O número não apenas é grande, mas dobrou nas últimas duas décadas, e a idade em que as quedas geralmente começam a ocorrer (normalmente em adultos com mais de 60 ou 65 anos) está diminuindo. As estatísticas mostram que, em parte, os seres humanos estão perdendo a capacidade de se manter em equilíbrio, uma habilidade tão natural que raramente nos damos conta de todos os processos envolvidos.
Operação complexa
Embora manter o corpo ereto e em equilíbrio seja algo natural para nós, é uma atividade que aciona vários processos físicos e cognitivos que se retroalimentam. “O equilíbrio requer uma série de informações sensoriais”, explica à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, Dawn Skelton, professora do departamento de Fisioterapia e Paramedicina da Universidade Glasgow Caledonian, no Reino Unido.
“A visão é um dos elementos principais, mas não o único. Seus olhos trabalham com seus ouvidos, e o sistema vestibular do ouvido interno (uma série de canais com fluidos que se movem quando mexemos a cabeça, para informar ao cérebro em que direção se encontra e quão rápido se move).”
Com base nestas informações, os músculos das pernas e do tronco se ajustam para manter a postura. Esse sistema que combina diferentes elementos começa a ser treinado na infância, e nossa capacidade de manter o equilíbrio no futuro vai depender de seu desenvolvimento.
“Se você observar uma criança pequena aprendendo a ficar de pé, verá que ela tropeça e cai o tempo todo”, explica Skelton. “Aos 2 ou 3 anos, ela para de cair com tanta frequência. Isso porque o sistema nervoso está começando a integrar as informações dos músculos, dos olhos e dos ouvidos, e a entender melhor como manter o equilíbrio. Ao brincar e fazer muita atividade física, ela coloca tudo isso em prática regularmente. ”
Quedas antecipadas
O grande problema é a mudança em nosso estilo de vida, que se tornou muito mais sedentário desde a infância e, com isso, as oportunidades de praticar foram reduzidas. “Há duas gerações, a maioria das crianças ía andando para a escola, e não sentada em um carro. E hoje nas escolas se pratica muito menos atividade física”, observa Skelton.
A vida fora da escola segue padrões semelhantes, com atividades centradas principalmente em torno de uma tela. “Se você ficar olhando para uma tela, sua visão será afetada. Olhar por muito tempo para algo que está perto de você, vai fazer com que você se torne míope, porque você não está usando os olhos para olhar mais longe, e a visão faz parte do mecanismo de equilíbrio”. A idade em que começamos a cair também está diminuindo. “Se você não consegue ajustar rapidamente a visão de algo que está próximo para algo que está distante, seu equilíbrio será prejudicado.”
Se os mecanismos que estão envolvidos nesta função não têm tempo de se desenvolver completamente quando somos jovens e, na vida adulta fazemos trabalhos sedentários que não representam um desafio para o equilíbrio, quando chegamos à velhice, a vulnerabilidade às quedas aparece mais rápido, argumenta a especialista. “Minha preocupação não é apenas o equilíbrio, mas o que vai acontecer com os índices de fratura. Como não construímos densidade óssea suficiente, elas vão acontecer mais cedo também.”
No fim das contas, ela conclui, se trata de um conceito muito simples: o que você não usa, você perde. “Quando você deixa de usar seus músculos, eles desaparecem, e o mesmo acontece com a densidade óssea. Em uma semana, você pode perder até 1%, e pode demorar um ano para recuperá-la.”
Saúde mental
Outros fatores que afetam o equilíbrio têm a ver com nosso estado emocional e saúde mental. “O perfil físico de pacientes com esquizofrenia é caracterizado por uma marcha lenta e uma passada reduzida; o daqueles que apresentam transtornos de ansiedade é caracterizado por distúrbios do equilíbrio; e daqueles que sofrem de depressão, por uma marcha lenta e uma postura encurvada”, diz um estudo publicado no início deste ano por uma equipe de pesquisadores liderados por Ron Feldman, do Departamento de Anatomia e Antropologia da Escola de Medicina Sackler da Universidade de Tel-Aviv, em Israel.
No caso das pessoas com depressão, como tendem a acomodar a cabeça — cujo peso médio varia entre 5 e 6 kg — mais para frente, todo o peso do corpo é inclinado nessa direção, o que facilita a perda de equilíbrio, principalmente porque nossa base (no caso, os pés) é relativamente pequena em relação ao tamanho do corpo. Além disso, “como as pessoas deprimidas tendem a dar passos mais curtos, sem levantar muito os pés, é mais provável que tropecem”, explica Skelton.
Todos esses efeitos são produzidos sem levar em conta as medicações, que também são outro fator que pode alterar o equilíbrio. Em relação à ansiedade, os músculos estão em estado de alerta constante devido à circulação da adrenalina. “Isso significa que o sistema nervoso está muito alerta, concentrado no que pode ou não acontecer, mas não em manter o equilíbrio”, explica a pesquisadora.
Equilíbrio em movimento
Felizmente, podemos tomar muitas providências para fortalecer nosso senso de equilíbrio. Todo tipo de exercício ajuda, mas especialmente atividades ou esportes que se desenvolvam em movimento, diz Skelton, onde muitas coisas acontecem ao mesmo tempo e temos que virar a cabeça regularmente, e o cérebro precisa trabalhar intensamente para nos manter em equilíbrio. Alguns exemplos são: dançar, esportes com raquete, futebol ou andar de bicicleta (não em um velódromo, mas em lugares onde tenhamos que estar atentos ao entorno).
Mas não precisam ser necessariamente atividades que exijam muita força ou grande destreza física. Caminhar é muito bom, sobretudo em superfícies irregulares, para que o sistema nervoso seja ativado para que a gente não caia. “O equilíbrio não é apenas uma questão de ter tornozelos fortes ou flexíveis, se trata também de nosso cérebro integrar informações rapidamente e agir rapidamente com base nelas”, diz Skelton.
No caso de pessoas idosas ou fragilizadas, exercícios simples como ficar apoiado em um pé só, fazer elevação na ponta dos pés ou caminhar para trás (com assistência e extremo cuidado) também ajudam a fortalecer o equilíbrio.