Por Juan Arias, do jornal El País.
Não se deve só ajudar homossexuais a “se aceitarem”, mas a superar as sequelas deixadas pela homofobia
A polêmica no Brasil sobre se os psicólogos podem ou não curar a homossexualidade, como se esta fosse uma doença, viralizou positivamente nas redes sociais. A chamada cura gay é algo defendido e promovido, por exemplo, por alguns grupos evangélicos e outras correntes religiosas. Isso levou, no entanto, a relegar o aspecto positivo que a psicologia pode trazer para os gays que têm problemas para aceitar sua condição por causa de possíveis pressões sociais ou familiares.
Que a homossexualidade e suas variantes não são uma doença e, portanto, não só os psicólogos, mas ninguém pode curá-las, já foi claramente exposto em 1935 por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, em sua carta a uma mãe que lhe pedia ajuda para seu filho gay. “A homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Nós a consideramos como uma variante da função sexual”, escreve Freud, acrescentando que a psicanálise pode fazer outra coisa por seu filho, mas não curá-lo. “Se ele se sentisse infeliz por causa de milhares de conflitos e inibições em relação à sua vida social, a psicanálise poderia lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência.” Em sua carta à senhora, Freud também lembra que “grandes homens da antiguidade e da atualidade foram homossexuais, e entre eles algumas das figuras mais proeminentes da história, como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci etc”. E acrescenta: “É uma grande injustiça e crueldade perseguir a homossexualidade como se fosse um crime”. É a postura que mais tarde seria defendida pela Organização Mundial da Saúde, e a adotada hoje nos países mais civilizados. Eu mesmo me lembro que, nos anos de minha juventude, na Faculdade de Psicologia da Universidade La Sapienza, em Roma, nos diziam que a homossexualidade é mais uma forma de viver a sexualidade.
“Não posso curá-lo porque você não está doente, nem fisicamente nem mentalmente”, é a primeira coisa que um psicólogo sério pode dizer a quem pede ajuda para deixar de ser homossexual. A partir daí, também é verdade que a psicologia hoje pode ajudar, e faz isso em todo o mundo, não para que uma pessoa gay deixe de sê-lo, e sim, como escreveu Freud, para que “se aceite e se ame” como é. Pode reforçar a aceitação de sua condição aliviando a dor que vem com o peso dos preconceitos sociais ou do ambiente hostil em que pode estar vivendo sua sexualidade. É o que os países anglo-saxões chamam de “psicologia gay afirmativa”.
Um pioneiro deste movimento é o espanhol Gabriel J. Martin, conhecido por sua polêmica obra Quiérete Mucho, Maricón (Editora Roca, 2016). O livro, de 530 páginas, é conhecido como um “manual de sucesso psicoemocional para homens homossexuais”. Em uma entrevista ao jornal El Mundo, de Madri, em março do ano passado, Martin vai além de Freud ao entender que a função que a psicologia pode oferecer aos homossexuais não é a simples ajuda para “se aceitarem”. Segundo ele, deve “ajudá-los a superar as sequelas deixadas pelo ambiente homofóbico, ou seja, a homofobia interiorizada, a rejeição da própria homossexualidade”.
Este tipo de terapia psicológica é, de fato, o oposto do que os extremistas evangélicos desejariam dos psicólogos, que é forçar o homossexual a sair de sua condição para ser “normal”. A psicologia gay afirmativa ajuda, pelo contrário, a reforçar a ideia de que o que alguns homossexuais realmente podem precisar é eliminar os preconceitos sociais interiorizados, de que são vítimas de uma anormalidade. Estes preconceitos se devem, de acordo com o psicólogo espanhol, à educação recebida na família e na escola e ao contexto social em que vivem. Daí a importância da psicologia em reafirmar que a homossexualidade é inata e, portanto, onipresente na natureza e na história.
Devemos lembrar que, se a psicologia não pode curar alguém que não esteja doente, e sim ajudar os homossexuais a se sentirem normais, muito menos a religião pode fazer isso, pois, além de considerar a homossexualidade um desvio da natureza, prega que a prática da mesma é pecado e ofensa a Deus. Há igrejas que recorrem aos exorcismos para retirar a homossexualidade de uma pessoa, como se fosse um demônio. Todo esse esforço para “curar um gay”, além de uma aberração, é, como afirma Freud, “um crime e uma crueldade”.
Artigo publicado no jornal espanhol El País. em 21 de setembro de 2017