Por Javier Sampedro, publicada no jornal espanhol El Pais, em 04/12/2014 21:19 BRSt
A balconista entrega ao cliente um maço de cigarros, ele vê que tem o aviso de “Fumar causa impotência” e diz a ela: “Não, não, não, me dê o que mata”. A piada é sem dúvida engraçada, especialmente para os fumantes, mas a partir de hoje vai ter mais graça ainda. Porque os cientistas acabam de demonstrar que não é que fumar cause impotência: é que o cigarro elimina das células o cromossomo Y, o mesmo que determina a virilidade, o padrão genético da subespécie masculina. O resultado não só explica por que os fumantes sofrem mais de câncer de pulmão do que as fumantes, mas também por que os homens em geral morrem mais do que as mulheres. A balconista, pelo que se vê, já tinha dado ao cliente “o que mata”.
Os seres humanos têm 23 pares de cromossomos — em cada par, um vem do pai e outro da mãe —, mas um desses pares é a causa de um dos maiores infortúnios que aflige nossa espécie desde seu despertar nas estepes africanas implacáveis e pitorescas: a diferenciação sexual, ou a diferença entre homens e mulheres. As meninas são XX e os meninos, XY. É aí que as coisas começam a complicar.
Lars Forsberg e seus colegas de Upsala, Estocolmo, Oxford, Liverpool, Harvard e Nova York demonstraram na revista Science, depois de analisar os hábitos e os genes de 6.104 homens, três coisas interessantes: que a perda do cromossomo Y em algumas células do sangue do homem maduro se associa a um risco elevado de cânceres de diversos tipos (não só de pulmão, nem só causados pelo tabaco); que fumar aumenta o índice de perda desse cromossomo masculino; e que, como talvez seja de se esperar, fumar pouco é melhor do que fumar muito, e parar de fumar melhor do que continuar fumando.
Quando alguém morre de câncer de pulmão, saber que a causa é a perda do cromossomo Y certamente não será um grande consolo. Mas o estudo de Upsala parece resolver vários paradoxos da oncologia. Por exemplo, que fumar representa um risco maior para os homens do que para as mulheres: como elas não têm o cromossomo Y, não podem adquirir câncer ao perdê-lo. Ou por que os homens morrem antes das mulheres. Na Espanha, morreram de câncer de pulmão quase 84.500 homens em relação a 13.300 mulheres entre 2004 e 2008, segundo um estudo publicado na BMC Cancer.
Quando se perde o cromossomo Y, as células recuperam sua tendência atávica a proliferar o máximo possível
O cromossomo Y provém de um cromossomo X ancestral, que era completo no tempo em que os primeiros marsupiais surgiram no planeta Terra. Desde então vem decaindo: foi perdendo genes, pedaços de genes e grupos de genes até se converter em um mero resíduo do cromossomo X. Os poucos genes que ficam se dedicam sobretudo a forçar o desenvolvimento dos testículos durante o desenvolvimento embrionário e a controlar a produção de esperma, que são as principais missões do macho neste mundo cruel. Levar o lixo para fora é uma característica opcional.
Mas agora o resultado é que o cromossomo Y tinha uma função importante afinal: a de evitar o câncer. Quando se perde, as células recuperam sua tendência atávica a proliferar o máximo possível. E essa perda não deve ser muito rara, porque essa é a mutação mais frequente que acontece em nossa espécie nos estágios pós-zigóticos, ou seja, desde que abandonamos a fase de uma só célula para nos transformarmos em duas, o que não é muito depois, na verdade.
Se há algo pior do que ser homem, é ser homem fumante. Dê-me o que mata e vamos acabar logo com isso.
Nota do Centro Oriental Kuan Yin: a maconha produz o mesmo efeito.