Por José Joacir dos Santos, Psicoterapeuta
Quanto mais Israel flexibiliza o acesso a bibliotecas com livros e papiros antigos, mais rico fica o conhecimento sobre a história escrita dos tempos bíblicos. Com isso, desvanecem os contrastes da Bíblia cristã, tirando dúvidas e esclarecendo equívocos, inclusive geográficos, dos escritores e suas épocas – há muitos erros. A dificuldade desse processo é que ele necessita de pessoas especializadas em línguas, atuais e antigas, que o Brasil ainda não atentou para essa isso. Os cursos universitários de línguas são pobres e inúteis. Vamos usar como exemplo uma língua viva e das mais faladas no mundo: inglês. Os cursos universitários brasileiros formam bacharéis em inglês que não sabem falar nem pronunciar palavras básicas. Tempo e dinheiro está sendo desperdiçado, até quando?
Não podemos apontar o dedo para a ignorância, mas já está passando do tempo de muita coisa ser corrigida. Um dos assuntos urgentes é a homossexualidade. Grupos sociais da internet estão debatendo o assunto todos os dias, especialmente quando um ou outro pastor evangélico, ávido de publicidade, tenta passar no Congresso Nacional leias homofóbicas, com base no princípio da ignorância e da cegueira que norteia os cursos de formação de pastores no Brasil, de todas as seitas cristãs.
Antigamente havia cursos sérios de formação em teologia, mas hoje em dia basta três meses, e até menos, para um indivíduo que nunca, em toda a sua vida, leu mais que os livros obrigatórios da escola do segundo grau, possa tornar-se pastor evangélico. Fora o dinheiro arrecadado pelas seitas e igrejas evangélicas, e não é pouco, o único objetivo da grande maioria delas é o enriquecimento material. Com o poder do dinheiro, extraído da miséria do povo, eles passam a trabalhar politicamente para eleger mais pastores para cargos públicos, na esperança, orquestrada, de um dia tornar o Brasil um país religioso, evangélico, fundamentalista, cego e atrasado.
O que mais surpreende é ver pessoas graduadas em nível superior, que professam as seitas evangélicas, ficarem caladas diante de atos ignorantes de repressão moral daquelas seitas. Alguns usam um linguajar baixo e agressivo como “gays vão para o inferno”, “gay é uma abominação”. Há um grupo não-evangélico, que se diz espiritualista, e que seria ligado à Fraternidade Branca, que declara no site deles que “gays não ascenderão”. A Fraternidade Branca, que eu conheço bem, deve estar com as mãos nos ouvidos com esse barulho ignorante e sem sentido. Quem é que pode apontar o dedo em nome de deus? Ninguém vira gay. É uma questão cármica, as pessoas já nascem gays. Por mais que queiram tentar, ninguém fabrica um indivíduos gay.
Não há prova alguma de que Jesus tenha se posicionado contra gays. Muito pelo contrário, os ensinamentos do Mestre, não censurados, ensinam o amor ao próximo, sem distinção. Um dos exemplos dele foi aceitar como discípula a ex-prostituta Madalena, que se tornou mais próxima dele que os discípulos homens – não pelos atributos físicos do gênero, mas pela inteligência e sensibilidade que ela tinha. O que transparece do estudo da Bíblia, das versões não censuradas e traduzidas diretamente do hebreu e do aramaico, é que o apóstolo Pedro era extremamente ciumento, afastava os homens de Jesus e odiava a aproximada presença de Maria Madalena ou de qualquer outra mulher, inclusive a mãe de Jesus. Há um trecho específico de uma dessas bíblias em que o autor diz que Pedro impedia homossexuais de se aproximarem de Jesus. Por que será que ele assim se comportava? Será que Pedro queria a Jesus além do amor fraterno e não sabia como se expressar, confundindo tudo?
Sabe-se que na cultura dos povos do Oriente Médio, desde a época de Jesus, que as relações afetivas entre homens sempre foram amáveis, cordiais, ao ponto de haver troca de beijos em público, andar de mãos dadas, dormir juntos como ainda acontece na grande maioria dos países daquela região, tanto entre os árabes quanto entre muçulmanos árabes e não árabes e judeus. Isso também existe em países orientais como o Nepal e Tibet. Então, por que os pastores evangélicos brasileiros são tão homofóbicos? O que é proibido entre muçulmanos é o beijo entre homem e mulher, em público, mas não entre homens.
A bíblia está cheia de registro de guerras mas também fala das relações homoafetivas. A vida do Rei David, festejado por católicos, protestantes e judeus, é um exemplo maravilhoso da cegueira e da censura das seitas cristãs e evangélicas. Como mencionei em um dos meus livros, o Rei David era gay, teve uma relação homoafetiva duradoura com o filho do Rei Saul, Jonathan (Samuel 17-18, página 404 da Bíblia Ecumênica, Ed. Edelvives, Espanha, 2015, traduzida diretamente dos textos originais em hebreu, grego e aramaico), teve 16 filhos com diferentes mulheres porque procriar não é uma questão fisiológica. O que ele fazia era agradar politicamente àqueles chefes tribais que lhe ofereciam filhas virgens como presente pelas lutas de David a favor daquelas tribos.
A procriação foi importante, mas também foi interpretada por tradutores da bíblia que tinham que satisfazer aos poderosos da Igreja Católica e Luterana. Nos tempos bíblicos, era necessário casar e ter muitos filhos para manter as terras e as guerras. Quem necessita disso hoje em dia, já que a humanidade atingiu limites populacionais exaustivos? Ainda hoje gays indianos, iranianos, árabes, muçulmanos, norte-americanos são obrigados a casar e ter pelo menos um filho homem, para aquietar e agradar a família de ambos os lados. Independentemente disso, eles têm suas vidas homoafetivas paralelas, como é visível para quem mora em Nova Délhi, Riad, Kathmandu, Cabul, Teerã, Cairo ou em qualquer cidade iraniana e paquistanesa. Em Israel, onde há parada gay todos os anos, a vida gay é plena e ativa. Muitos homens gays judeus casam com mulheres para satisfazer às exigências das famílias, mas nada impede que eles sejam encontrados nos bares e boates gays de Telavive. No Brasil, bravos rapazes evangélicos já começam a levantar suas vozes, mas a opressão das seitas e igreja é grande e as famílias apontam o dedo mais fortemente do que os tribunais na inquisição.
A tentativa de alguns pastores evangélicos e de parte da Igreja Católica, assim como dos fundamentalistas muçulmanos e de grupos assassinos que agem em nome do Islamismo, é puramente político. Não há vínculo entre sexualidade e espiritualidade. A sexualidade é puramente física, pertence ao corpo físico, que é mortal, desgarra-se do espírito e esse segue seu caminho nas dimensões adequadas da espiritualidade sem a menor lembrança sobre a sexualidade física. Nas religiões e seitas indianas essa questão era pura e simples até a chegada naquele continente da castração protestante da Rainha Vitória, da Inglaterra, que ocupou a Índia e Paquistão por muitos anos. O fortalecimento da espiritualidade, que deveria ser feito por seitas e igrejas, não tem nada a ver com o corpo físico. Espiritualidade é coisa do espírito divino que há em todo ser humano, independente da religião. Como o Papa Francisco disse, “quem sou eu para julgar” uma pessoa pela sexualidade dela?
Os ingleses tinham, na época daquela rainha, uma tradição de queimar em fogueira pública quem pensasse diferente da família real, em qualquer aspecto, inclusive religioso. O Rei Henry VIII publicou várias edições da Bíblia modificadas para satisfazer o próprio ego e melhor administrar seus problemas sexuais e políticos, com a ajuda da sua amante Ana Bolena (Anne Boleyn), que ele chegaria a declarar rainha do Império Britânico e a decapitaria por traição – mas a verdade é que ele estava de olho em outra mulher e queria mudar a cama. Com problemas genéticos, ele culpava as mulheres por não terem filhos homens. A versão da bíblia traduzida por Ana Bolena também tinha um enorme cunho político, com a intenção de eliminar da corte os seus oponentes. A preocupação não era o ensinamento de Jesus, da mesma forma que o fazem as seitas e igrejas evangélicas brasileiras hoje, inclusive em países africanos, asiáticos, etc.
A homofobia chegou aos tribunais em vários países do mundo. Nos Estados Unidos, onde a maioria da população branca e negra é evangélica, a liberdade para a população gay só chegou a alguns estados. Mesmo assim, a Organização Mundial da Saúde, órgão mandatório das Nações Unidas, da qual o Brasil é filiado, declarou inconsistente a definição da homossexualidade como doença há mais de 15 anos. Os órgãos norte-americanos, equivalentes ao Conselho de Psicologia brasileiro, retiraram de suas listas a homossexualidade como doença por falta de fundamento científico. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia, embora atrasado em muitos aspectos da saúde mental, também desaconselha o tratamento ou a chamada “cura gay”, por falta de consistência científica.
Apesar disso, o Congresso Nacional brasileiro, que vive cuidando dos interesses particulares e financeiros de deputados e senadores, com a ajuda do voto popular, dorme.
O assunto fica vulnerável nas mãos de juízes inseguros, insatisfeitos, ávidos de publicação e dinheiro dos grupos evangélicos ultraconservadores e fundamentalistas, que só pensam em usar o medo para reprimir seus seguidores e expandir essa ideologia na sociedade brasileira não-evangélica, mas ignorante. A estatística de leitura entre brasileiros é pobre, comparada com países ainda em desenvolvimento. Muitos dos que se alistam às fileiras da lavagem cerebral evangélica são pessoas sem instrução, pobres, vulneráveis emocionalmente, cheias de medo, daquele medo que vem do Antigo Testamento, onde os seguidores de Moisés não admitiam nada que fosse diferente do pensamento deles mesmos – apesar da diversidade entre as tribos judaicas. A situação era assim: olho por olho, dente por dente. Quem não concordar comigo é meu inimigo mortal e perecerá na fogueira.
Medo é a arma das igrejas evangélicas atuais – e há muitas pessoas boas e honestas perdidas no grande bolo. Pelo medo, elas ficam milionárias e, sem nenhum constrangimento, transferem dólares para suas contas no exterior, como a imprensa noticia frequentemente. O que mais incomoda nisso é o fato de que os evangélicos do bem não se manifestam contra esse abuso cometido em nome de Jesus, da mesma forma que os bons alemães não levantavam as vozes contra a matança de Hitler – que tinham problemas graves com sua sexualidade.
O que gays precisam curar nos consultórios psicoterapeutas são os traumas da repressão familiar, dos vizinhos, dos colegas de escola, dos professores, pastores, padres, imãs, rabis, e não a condição física natural de ser gay porque isso não é doença emocional ou psicológica – é, também, hereditária. Há muitos gays doentes, neuróticos, reprimidos por conta da convivência familiar abusiva. A família é o primeiro grupo a reprimir, abusar e demonstrar a intolerância homofóbica. Milhares de jovens gay, se não forem assassinados como o são em estados brasileiros como a Paraíba, têm que fugir de casa e da sua região para sobreviver e ter uma vida livre. Mesmo assim, enfrentam o ódio homofóbico das igrejas que deveriam amparar. Só sobrevivem a esse caldeirão aqueles mais fortes, que buscarem a espiritualidade fora das seitas, igrejas e dos grupos familiares. No Brasil do tempo presente só sobrevivem os mais fortes, que lutarem pela saúde emocional, que se livrarem dos traumas e abusos sexuais, que repudiarem os assédios e que lutarem pelo voto por líderes políticos capazes de deixar o sexo para seus momentos de privacidade.
A homossexualidade nunca foi nem será uma doença. Há gays brilhantes em toda as história da humanidade, inclusive na história atual, ocupando posições que fazem diferença no olhar amoroso e sadio da humanidade. Aqueles que tentam inventar a chamada “cura gay” precisam marcar consulta com terapeutas especializados e livres dessa paranóia. A doença mental está em quem aponta o dedo sujo, tentando virar a mesa, como é o caso de uma ex-psicóloga brasileira, frustrada. Ela teve o registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Psicologia por mal práticas, afiliou-se a entidades evangélicas fundametalistas, arranjou um emprego em um gabinete de político evangélico e de lá tentou manipular a justiça brasileira, que as vezes é realmente cega.