O que revelou estudo sobre mulher que não sente medo
Por Diego Redolar Ripoll, Role,The Conversation*, em 04/07/2024
S.M. nasceu em 1965 e desde muito nova sofria crises de epilepsia agudas. Inicialmente, acreditou-se que ele tinha um tumor no cérebro que causava epilepsia. Mas a equipe médica constatou que as crises eram geradas por uma atrofia bilateral no interior do lobo temporal medial, na amígdala. O mais impressionante sobre S.M. é que ela não reconhecia a sensação de medo. Para gerar esta sensação, os pesquisadores a expuseram a cobras e aranhas vivas, a levaram para visitar uma casa mal-assombrada e a convidaram para assistir filmes de terror. Quando pediam a ela para desenhar o medo, S.M. pintava um bebê engatinhando. O estudo foi realizado e publicado em 2010. E a pesquisa localizou o medo no cérebro.
As emoções
A paciente S.M. sofria da síndrome de Urbach-Wiethe, uma doença rara que, entre outras coisas, induzia a formação de depósitos de cálcio na amígdala, com subsequentes danos às células que formam esta estrutura cerebral. A avaliação neuropsicológica de S.M. revelou que sua inteligência estava dentro dos padrões normais, que as diferentes funções cognitivas estavam preservadas e que não havia problemas motores, tampouco sensoriais ou perceptivos. A principal deterioração que a paciente apresentava estava relacionada ao processamento da informação emocional.
S.M. não demonstrava dificuldade na hora de julgar por meio de fotografias as emoções que os rostos de diferentes pessoas expressavam, a não ser que fosse medo. Parecia que ela era incapaz de compreender e entender as reações de medo ao olhar para os outros. Não reconhecia as reações de medo nos rostos de outras pessoas. No entanto, do ponto de vista teórico, S.M. era capaz de descrever situações que poderiam causar medo nas pessoas, e também era capaz de usar verbalmente diferentes conceitos para descrevê-las.
S.M. não conseguia representar esta emoção por meio de desenhos. Quando pediam para ela desenhar o rosto de uma pessoa com medo, ela desenhava a figura de um bebê engatinhando. Por outro lado, não apresentava tipo algum de dificuldade quando tinha que desenhar o rosto de uma pessoa que estava sentindo outra emoção.
Cobras e aranhas
No estudo publicado em dezembro de 2010, Feinstein, Adolphs, Damasio e Tranel tentaram provocar medo em S.M. expondo-a a cobras e aranhas vivas (estímulos que normalmente geram medo em primatas humanos e não humanos) em uma loja de animais exóticos; levando-a para visitar um hospital supostamente “mal-assombrado”; e fazendo com que assistisse a filmes de terror. Em nenhuma das ocasiões mencionadas, ela demonstrou o menor sinal de medo. S.M. dizia que odiava cobras e aranhas e tentava evitá-las, mas ao entrar na loja se sentiu espontaneamente atraída e cativada pela grande coleção de serpentes. Um funcionário perguntou se ela gostaria de segurar uma cobra, e ela aceitou. M. demonstrou um grande fascínio e curiosidade pelo animal. Ela repetia: “Isso é genial!”, fazendo inúmeras perguntas ao funcionário da loja — por exemplo, “Quando olham para você, o que elas veem?”. Além disso, demonstrou um desejo compulsivo de querer “tocar” nas cobras maiores e mais perigosas da loja.
O prédio assombrado
Os pesquisadores levaram S.M. ao Sanatório Waverly Hills, um antigo hospital localizado em Louisville, no Estado americano de Kentucky, considerado um dos lugares mais assombrados dos Estados Unidos. Entusiastas do mundo sobrenatural descrevem aparições de espectros e sons inexplicáveis, e dizem que o quinto andar de Waverly Hills, conhecido como “Corredor da Morte”, é particularmente ativo em termos de atividade paranormal. O andar abrigava pacientes terminais, e reza a lenda que muitos morreram ali.
Ao chegar, S.M. e a equipe de pesquisa se juntaram a um grupo de cinco mulheres (todas elas desconhecidas). Desde o início, S.M. conduziu voluntariamente todo o grupo pelo hospital abandonado, sem mostrar nenhum sinal de hesitação ao virar em uma esquina ou entrar em corredores escuros. Enquanto os demais membros do grupo ficavam para trás, ela gritava repetidamente: “Por aqui, pessoal, me sigam!” Além de demonstrar uma evidente falta de medo, S.M. ostentava uma disposição incomum para explorar o local, e um alto nível de excitação e entusiasmo.
Os filmes de terror
Por fim, os pesquisadores utilizaram uma seleção de filmes que induziam medo e outros tipos de emoções, incluindo nojo, raiva, tristeza, felicidade e surpresa. Durante os filmes que não estavam relacionados a medo, S.M. sentiu a emoção induzida por cada uma das obras em altos níveis. No entanto, não demonstrou reações de medo. No entanto, ela comentou que a maioria das pessoas provavelmente ficaria assustada com o conteúdo de tais filmes, embora ela não tenha ficado. Isso demonstra que sua falta de experiência com o medo não pode ser totalmente explicada por um déficit de reconhecimento e compreensão. Embora a história de vida de S.M. seja repleta de acontecimentos traumáticos, em nenhum momento ela apresentou manifestações de medo.
A importância da amígdala
A pesquisa localizou a área responsável pelo medo no cérebro, aquela que estava danificada em S.M. A amígdala monitora constantemente as informações que recebemos do meio ambiente em busca de sinais de perigo. O sistema nervoso registra estímulos de importância biológica, como cobras ou aranhas, porque, para os nossos antepassados, estes animais representavam uma ameaça. Desta maneira, evoluiu de forma que nos permite reconhecê-los, e isso contribui para nossa sobrevivência. Porém, a amígdala também é ativada por estímulos positivos que têm importância para o indivíduo. E faz isso com base em experiências anteriores.
Desta forma, por meio dos mecanismos de memória emocional que dependem da amígdala, alguns estímulos não têm importância para algumas pessoas, mas são de fundamental importância para outras. O caso da paciente S.M. revelou a importância da amígdala na identificação das expressões faciais de medo. No entanto, diversos estudos que acompanharam este caso clínico durante anos mostraram o papel que a amígdala pode desempenhar em outros aspectos mais complexos, por exemplo, a atenção ou a cognição social. Ao compreender a forma como o cérebro processa o medo, graças a casos como o de S.M., podem ser encontrados tratamentos que impeçam que o medo tome conta das nossas vidas.
*Diego Redolar Ripoll é professor de neurociências e vice-reitor de pesquisa da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84j8pmw4vko