Meu consultório não está, ainda, formalmente aberto em San Francisco, mas a fila de clientes espirituais é enorme, quase que diária e eu não me aborreço com isso. Faz tempo que me disciplinei a respeitar essas minhas habilidades e a conviver entre dois mundos – mas não é fácil. Nos dois meses em que morei em hotel não era diferente. Lá, haviam também vampiros e dependentes sexuais-espirituais que vagavam pelas ruas e passavam pelo hotel. Cheguei a sair aos murros com dois deles. Entravam no meu quarto sem o menor respeito e queriam puxar de mim a energia que precisavam para “viver”. Um deles se materializou o meu nome na camisa em que vestia para tentar de intimidar. Tentei conversar mas eles estavam bloqueados. Então, parti pra cima e esmurrei na cara. Funcionou. Não podemos esquercer que tudo é “assim na terra como no céu”. Para aqueles dois, o que valia era a lei da violência em que eles viveram na última vida.
Depois que mudei para este apartamento, vazio porque a mudança ainda não chegou depois de cinco meses (depois conto essa história), eles respeitam bem as afirmações, orações e o campo mental que criei logo no primeiro dia em que recebi a chave. Poderia ter feito isso no quarto do hotel mas esqueci. Então, alguns esperam que eu acorde para fazer perguntas ou para atendê-los psicologicamente. A maioria quer saber o que lhes aconteceu porque ninguém lhes dá atenção, nem os parentes – não sabem que morreram ou não querem aceitar o fato. Outros querem saber como voltar, etc.
São poucos os norte-americanos que aparecem. A maior parte deles é constituída de imigrantes nos EUA, sendo a grande maioria de orientais – talvez porque este bairro é habitado, há muitos anos, por maioria oriental. É interessante observar a diferença de dimensão de tempo e espaço, que varia de pessoa para pessoa, dependendo do nível de desenvolvimento emocional-mental-espiritual. Alguns espíritos conseguem ver os encarnados mas não vêem os seus mentores espirituais. As vezes os clientes estão de um lado e os mentores de outro, separados por, digamos, fios de cabelo, mas não há o contato visual. Então a minha função básica é ouvir, dizer que estão mortos, convencê-los de aceitar isso e intermediar com aqueles que esperam para ajudar. No momento em que pergunto se querem ir para o mundo da luz e eles dizem sim, é um acontecimento barbaramente belo: as paredes da invisibilidade se desfazem e a conexão é imediata. Ningúem fica. O consultório fica vazio porque os da fila ouvem tudo, percebem tudo e não hesitam em entrar no “barco” de luz. Não dá tempo para agradecimentos ou qualquer outra coisa e eu nem me preocupo com isso porque quem agradece sou eu.
Atualmente há uma adolescente oriental que resolveu ficar aqui. Os parentes se foram e ela resolveu, vamos dizer, ajudar. Então, de vez em quanto eu acordo e ouço ela dizer: finalmente acordou. Parei de ligar o despertador porque ela funciona perfeitamente e dá um jeito de fazer barulhos para me acordar exatamente na hora de levantar para o outro trabalho – o desta vida material. Não estou me acomodando nesta situação porque aparentemente ela quer aprender mais antes de “partir”. Quando chego em casa ela fica andando de um lado para outro e eu finjo que não percebo nada.
Um desses dias havia um casal com uma criança, todos com a aparência árabe. Depois de muita conversa e o pai querendo que eu arrumasse um jeito deles voltarem para o país deles, pedi arrego aos mentores. Quando o portal se luz se abriu e eles viram os seres que estavam lá (amigos deles), os três literalmente me agarraram chorando e me cobriram de beijos. A parte ruim e cômica desta história é que eles fediam muito. Era o cheiro dos corpos em decomposição. Eu tapei o nariz com a mão. A criança, sem saber o que fazer nem o que estava acontecendo, deu um beijo na minha mão. Mas, assim que eles se foram, o odor também foi. E eu voltei para a cama e dei uma cochilada.
Por falar em parte ruim, também não é nada fácil atender àqueles que chegam com os corpos espirituais deformados por drogas, bebidas e acidentes. Eu morro de “medo” de sangue e acredito que eles já sabem disso. Então, para conveniência de ambas as partes, alguns escondem as feridas mas os drogados não têm muito consciência do que ocorre e é muito cansativo – outros não sabem como esconder nada. As vezes não consigo nada com eles ou eles não aceitam a solução que dou e ficam enraivecidos. É como falar com surdos. Ficam grosseiros e não têm controle dos seus corpos. Alguns parecem ursos grandes. Um dia desse tive que ser assistido por um mentor-médico porque alguém sugou totalmente os fluidos vitais do meu ombro direito. A sensação é a de alguém colocar uma pedra de gelo grande no seu peito nú. Dói. Reiki me ajuda bastante nesses momentos.
As vezes eu me esqueço de fazer Reiki em mim mesmo antes de dormir e eles não perdem tempo. Reiki é o aliado indispensável e fortalecedor. Como seria bom se todos os médios, terapeutas e médicos se tornassem reikianos! Com todo esse trabalho eu sou saudável. Dores e ataques são logo corridos, tanto pelos mentores quanto por mim mesmo – com Reiki, florais de Saint Germain, suco de limão, alho, incenso, roupas limpas, orações, mantras, vegetais variados, frutas vermelhas e amarelas, chás, luz do sol. Você tem que mudar completamente os seus hábitos para sofrer menos entre mundos tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo por causa da especificidade da energia utilizada.
Trabalhar nesse consultório sem paredes exige muito disciplina mental. As vezes a vida privada sobre conseqüências. É um constante estado de vigilância. Um dos meus “eus” fiscaliza o outro em tempo integral. As vezes é imperativo renunciar a alguns prazeres da carne, mas as vezes eu tenho que gritar, virar bicho, exercer meu lado animal e exigir da “clientela” o respeito por este momento da minha encarnação – e ser plenamente material, aqui e agora. Enfim, como diz Edit Piaf em uma de suas canções, “eu não me arrependo de nada”! jjoacir@gmail.com
Por José Joacir dos Santos