Os animais não conseguem acompanhar o ritmo das mudanças climáticas
Dezenas de espécies estão tentando adaptar-se, mas os primeiros dados indicam que em poucas há respostas
Por MIGUEL ÁNGEL CRIADO
30 JUL 2019 – 16:54 BRT, Jornal El Pais
As mudanças climáticas estão indo depressa demais para os seres vivos. As tentativas de adaptação ocorrem em todas as espécies: com o aumento da temperatura, há árvores que estão ocupando regiões cada vez mais para o norte ou subindo cotas mais altas nas montanhas. Muitas aves estão antecipando suas migrações e os peixes estão se deslocando para o norte. Os poucos estudos suficientemente longevos existentes mostram que poucas espécies tiram proveito do aquecimento global.
Um grupo de pesquisadores, incluindo vários espanhóis, revisou as publicações científicas que estudaram a resposta de diferentes animais ao aumento de temperatura provocado pelas mudanças climáticas em curso. Encontraram quase 5.000 estudos com dados de mais de 1.400 espécies nos quais observaram a conexão entre a evolução da temperatura e mudanças em certas características ou padrões de comportamento de diferentes animais, como a antecipação do período de reprodução ou das migrações.
“Com este banco de dados podemos dizer como a temperatura afetou as características. Por exemplo, mostramos que, ao longo de muitos táxons [um táxon é um grupo de organismos aparentados, que em uma determinada classificação foram agrupados, atribuindo ao grupo um nome em latim, uma descrição, se for uma espécie, e um tipo], o ritmo dos diversos eventos biológicos foi sendo antecipado à medida que as temperaturas subiram nas últimas décadas”, explica a pesquisadora do Instituto Leibniz em um e-mail para a pesquisa da Vida Silvestre e Zoológica (IZW, com sede em Berlim) e principal autora do estudo, Viktoriia Radchuk. “Mas este conjunto de dados não poderia nos dizer nada sobre se essas respostas das espécies são adaptativas, isto é, se elas se traduzem em alguma vantagem de adaptação, como um maior número de descendentes”, acrescenta.
Para determinar se uma mudança é adaptativa ou não é necessário trabalhar durante décadas com as mesmas populações. Portanto, quase não existem estudos que respondam a esta última questão. Só foram encontrados 71 trabalhos sobre menos de vinte espécies, principalmente aves. Pesquisadores espanhóis da Estação Experimental de Zonas Áridas (EEZA-CSIC) contribuíram com suas pesquisas com três dessas espécies: o rolieiro (Coracias garrulus), o autillo (Otus scops) e a pega-rabuda (Pica pica) na área de Guadix-Baza, no interior de Granada.
“A primeira coisa que constatamos em nossa zona de estudo é que a temperatura não aumentou de modo significativo durante os anos em que estudamos essas espécies”, diz o pesquisador da EEZA, Jesús Miguel Avilés. “No entanto, observamos que os rolieiros e os autillos anteciparam sua data de postura, a cada ano põem ovos antes, mas isso não acontece com as pegas-rabudas, que não modificaram sua fenologia nos últimos anos”, acrescenta. Esta mudança da data de postura não traz benefícios para os autillos, porque não têm mais descendentes quando se reproduzem mais cedo, mas o rolieiro, sim, tem mais filhotes quando antecipa a reprodução.
Muitas espécies anteciparam o fim da hibernação, das migrações ou da época da reprodução
O estudo, publicado na Nature Communications, não encontrou confirmação de que as espécies estejam passando por mudanças morfológicas por causa da pressão seletiva do aumento da temperatura. Mas, sim, mudanças fenológicas, adaptações de padrões de comportamento de seu ciclo de vida, em geral na forma de antecipação das etapas desse ciclo, como o fim da hibernação ou o início do período de acasalamento e reprodução. Essas adaptações, porém, não seguem o ritmo das mudanças climáticas.
Para saber se há resposta adaptativa às mudanças do clima é preciso analisar as populações durante muitas gerações, como o estudo que já dura 54 anos das gaivotas-de-bico-vermelho da península de Kaikoura, na Nova Zelândia.
Para saber se há resposta adaptativa às mudanças do clima é preciso analisar as populações durante muitas gerações, como o estudo que já dura 54 anos das gaivotas-de-bico-vermelho da península de Kaikoura, na Nova Zelândia.
“Vemos que algumas populações mudam bem devagar, por isso enfrentam o risco de extinção em um espaço de tempo relativamente curto”, diz em um email o biólogo evolucionista da IZW, e coautor do estudo, Alexandre Courtiol.
Ainda mais preocupante é o fato de que os dados disponíveis se referem a espécies relativamente comuns e abundantes, como o chapim-real, a corça e a pega-rabuda, que estão lidando melhor com o impacto climático. “As respostas adaptativas entre as espécies mais raras ou ameaçadas ainda precisam ser investigadas”, diz Stephanie Kramer-Schadt, também da IZW, e acrescenta: “Tememos que as previsões de manutenção das populações dessas espécies-chave para a conservação sejam ainda mais pessimistas. ”