Aos vinte e poucos anos estava em missão de trabalho no Irã, durante a guerra Irã-Iraque. Foi o meu primeiro contato com a violência da guerra em um país cheio de feridas sociais por causa da implantação do regime do partido islâmico. Naquela época era universitário, precisava pagar os estudos e ninguém queria ir para um país em guerra. Não tinha medo de nada e ficava na rua para ver o bombardeio e saber em que direção correr. Eles aconteciam quase sempre pela manhã ou ainda na madrugada. Bombas caíram perto da minha casa, quebraram vidros das janelas e me escondia debaixo da escada no porão. Prá completar, o meu chefe morreu de ataque cardíaco e eu tive que tomar conta do corpo dele e brigar para o governo local não enterrá-lo até que alguém da minha empresa chegasse para tomar conta do translado.
Quando não tinha o que fazer, ia andar nas ruas, nos antigos mercados de tapetes, olhar, curiar, e muitas vezes fui abordado como se fosse um habitante local. Naquela época deixei crescer a barba para me parecer com os homens locais, obrigados pela lei religiosa islâmica. Quando saí do Irã não quiz olhar para trás. Estava farto de tanto sofrimento humano. Na Suíça, onde ia uma vez ou outra para aliviar a tensão da guera, fui parado pela polícia várias vezes. Eles olhavam meu passaporte brasileiro e perguntavam se eu era iraniano. Refugiados iranianos também me paravam na rua falando a língua deles e eu jamais compreendi porque eu tinha aquela energia. Fiz amizade com judeus iranianos e na véspera de ir embora ganhei um relógio de um deles. Naquela época não compreendia muito sobre espiritualidade e nunca entendi porque aquele senhor que me deu o relógio disse: tem o nome da família Buali, a sua família – essa família tinha uma história de mais de trezentos anos naquele país.
Vinte anos depois, sentado na cama antes de dormir, em San Francisco, EUA, recebi a visita espiritual de um casal, vestido à moda Persa, a antiga civilização iraniana. A mulher não esperou que reagisse e disse: “sou sua mãe. Este é o seu protetor daquela vida. Nós lhe acompanhamos onde você estiver. Não se preocupe com nada”. O homem também disse alguma coisa mas falou na língua persa (farsí) e nada compreendi. Minha mãe me olhava com muito amor e compaixão. Meu coração quase saiu pela boca. Senti enorme amparo e carinho naquele olhar. Era como uma saudade imensa tivesse ali acabado. Lindos olhos verdes, anel no mesmo dedo que gosto de usar, as cores das roupas eram as cores que mais gosto. Fiquei muito emocionado e eles partiram, deixando no quarto um cheio de perfume inesquecível. Na vida real, a minha mãe biológica, nesta vida, estava entre a vida e a morte, vítima de câncer. Faleceu hoje.
Evidentemente que a cada vida que vivemos aqui a gente precisa de um pai e uma mãe e nem sempre são os mesmos. As vezes é preciso reencarnar em famílias onde o karma é parcial, ou é apenas um ajuste de outras vidas, embora possa existir outras pessoas na família que nos acompanhem ao longo das reencarnações, assim como amigos. Portanto, temos muitas mães e todas as pessoas vivas na Terra, hoje, já viveram mais de cem vidas. Dessas cem mães, o relacionamento com muitas delas pode ter sido de intenso amor ou não. A única diferença nesse processo é o amor de mãe-filho ou pai-filho. Esse amor não é herdado, é desenvolvido por cada um de nós. Somente os laços de amor sobrevivem pela eternidade, seja de mãe, de pai, de irmão, de amigo, de marido ou mulher. As vezes a relação entre filho e pais nesta vida não é cheia de amor, por várias razões que não nos cabe julgar ou imaginar. A gente pode ter a sensação de não pertencer e eles de não nos ter. As vezes a própria mãe, ou o pai, não sente a ligação com o filho e o rejeita já no nascimento – embora não o abandone fisicamente. As vezes a função dela é só dar a luz àquele ser humano em evolução, que precisa passar por situação de rejeição. A rejeição tem a ver com a falta de amor próprio e muitos outros processos emocionais, de forma que ela não consegue superá-los nem consegue reinventar o amor pelo filho.
O drama da rejeição tem muitas consequências e só os muito protegidos espiritualmente conseguem sair das armadilhas desse karma, para reconquistar o amor por si mesmo, independente da falta de amor existente no pai ou na mãe biológica – ou na família em geral. As vezes, o resto da família fica impotente diante da situação. A sensação de órfão de mãe ou pai é muito dolorida até em animais. Quem não for forte o suficiente pode se desequilibrar emocionalmente e em consequência trilhar caminhos negativos, desenvolver vicios, descambiar para a marginalidade social e ficar preso naquela frase: ninguém me ama, ninguém me quer. Mas, na minha experiência, ninguém fica desamparado pela eternidade.
Quem se enquadrar nessas situações precisa reagir, seguir em frente na vida, cortar os laços que forem possíveis com a família que rejeita, se afastar e reconstruir a própria vida da melhor forma possível, se colocando em primeiro lugar, se policiando, redescobrindo o amor e trilhar nele sem jamais deixar a memória celular repetir a programação de rejeição de falta de amor. É muito importante fazer terapia e vomitar a rejeição porque o momento presente da nossa vida está acima de qualquer coisa e ninguém tem o direito de roubá-lo.
Ao longo desta vida, já recebi a visita de muitos seres amados e queridos de outras vidas, assim como já reencontei companheiros de jornadas amorosas e não-amorosas. A diferença está na nameira como a gente reconhece essas pessoas e evita que as cenas de repitam – porque os karmas são para serem desfeitos e não para reatá-los. Quando a atração é grande e as coisas dão erradas ou há sofrimento, é hora de tomar outro rumo e sair desse caminho. Quando o assunto é dentro da própria família e envolve pai ou mãe é preciso também sair. De longe, tentar desenvolver relações de amizade, superação, perdão e ajudar aquelas pessoas naquilo que for possível, espiritualmente, e até de forma material. Não é matando o inimigo que a gente se livra do karma. Muito pelo contrário, é preciso desenvolver amor pelo inimigo e o Mestre Jesus repetia isso em seus sermões. jjoacir@gmail.com
Por José Joacir dos Santos