Por José Joacir dos Santos
Há uma expressão muito forte no nosso idioma que é perder o chão. Quando alguém perde o chão perde também o equilíbrio e a recuperação desse equilíbrio é diferenciada para cada ser humano. A reação de quem perde o equilíbrio também depende de uma série de fatores físicos, mentais, emocionais e espirituais. Alguns se recompõem com facilidade; outros não. E esse jogo de cintura depende, muito, da herança celular genética de cada um.
Em abril de 2015, o Nepal foi devastado por um grande terremoto. Houve perda humana e material foi sem precedentes, tão forte que ainda hoje, mais de um ano depois, o país não se recuperou e muita gente ainda mora em barracas de acompamento porque perdeu tudo o que tinha. Aqui não bolsa escola, bolsa família etc. Aqui, cada um é cada um e as família têm que se virar por elas mesmas. Muito sitios históricos centenários foram abaixo. O pais vive uma crise política semelhante à do Brasil, com a diferença que no Brasil a crise foi inventada pelos políticos que perderam a eleição e aqui tem muitos outros fatores, inclusive geográficos. O pais está localizado entre a China, que anexou o Tibete, e a India que quer manter o Nepal sob controle total, de gás de cozinha a alimentos e recursos humanos.
O trauma emocional causado por um terremoto, que literalmente é como perder o chão (porque um terremoto acima de 4.0 já é capaz de derrubar um prédio e o que ocorreu em abril de 2017 foi acima de 7.0) só é comparável a um grande acidente de carro, com um grande impacto. A pessoa perde o rumo, entra em estado de choque, perde o equilíbrio físico, fica desorientada, pode até reagir com agressividade. Só o instinto de sobrevivência funciona e há muita gente que nem isso funciona em um desastre natural como um terremoto.
Um ano depois do terremoto ocorreram mais de 400 outros, menores, tremores. A cada vez que isso ocorre, a população sai de suas casas apavorada. A memória do desastre anterior volta com intensidade. Mesmo que o tremor não seja forte, a memória do choque repete a sensação de perder o chão, de perigo de morte, das perdas, do desamparo, de falta de proteção. Quando o chão treme, a sensação é a de que não se tem para onde correr. A impotência emocional é intensa, mesmo que o terremoto dure segundos, como o é a maioria. É possível ver pelas duas da capital do Nepal, Kathmandu, pedintes que vagam no tempo, muitos deles oriundos dos traumas daquele terremoto.
Os animais também sofrem com esses desastres naturais e eles sentem com antecipação quando eles vão ocorrer. Os pássaros demonstram claramente o desespero horas antes do acontecimento. Presenciei vários tremores, terremotos e vi que os animais domésticos, acostumados com a maneira humana de viver, também ficam desnorteados, especialmente cachorros, que agridem por qualquer motivo que lhes traga a memória do ruído do terremoto.
Em dezembro de 2015, estava no banco de tras de um taxi e o motorista espanhol, cochilando, jogou o carro contra a trazeira de dois outros. Fui jogado contra o banco da frente e não sei como sai de dentro do carro porque em seguida perdi os sentidos, mas a polícia disse que eu saí de dentro do carro por mim mesmo. O instinto de sobrevivência funcionou, mas a memória física (quem sabe a gente possa chamar de virtual) não funcionou. Nos 30 dias seguintes senti o choque vindo à tona, gravado nas minhas células, todos os dias, especialmente à noite quando tudo se acalmava para dormir. Qualquer ruido me atormentava, mesmo se uma pessoa falasse alto perto de mim.
É evidente que o cidadão nepalês e todos os estrangeiros que estavam visitando ou morando no país quando ocorreu aquele grande terremoto levarão consigo, por muito tempo, a memória do perigo e da morte, como uma camada insivível que só necessitará de um gatilho semelhante para ativar todo o sofrimento do desastre. Um trauma coletivo dessa envergadura não se pode tratar facilmente. E essa memória do medo será repassada para as gerações futuras pelo DNA, e será levada também para as reencarnações futuras. Assim, a humanidade carrega consigo muitos traumas coletivos do desastres passados, neste e em outras vidas. O medo é ainda o maior inimigo humano porque viaja invisivelmente de célula para célula, de corpo para corpo, de encarnação para encarnação, causando doença físicas, mentais, emocionais e espirituais.