Por José Joacir dos Santos
A diferença entre as pessoas não está na aparência externa, está na experiência de vida e isso parece também ser verdadeiro para o mundo animal. O meu gato Holly foi achado na rua quando era bebê, mal tinha aberto os olhos. Criado com todo dengo e hoje com quase um ano de idade, ele ignora o prato sempre cheio de comida e é preciso ser lembrado da hora de comer. O que ele quer mesmo é ver televisão, brincar com sua bola, dormir no meu colo e comer o que eu estiver comendo.
Certo dia apareceu em cima do muro da casa um gato preto e branco, já adulto, que não tirava os olhos de cada passo meu. Ao olhar para ele me arrepiava todo. Mandei-o embora várias vezes e fiz todo barulho possível para que isso acontecesse. Ele voltava sempre para o mesmo lugar da cerca, olhando-me seriamente com seus lindos olhos verdes. Certo dia convidei-o para descer da cerca e comer. Tem boas maneiras, entende a língua e comeu como se o mundo fosse se acabar em segundos. Vomitou tudo meia hora depois porque seu estômago talvez não se lembrasse mais daquele quantidade de comida ou mesmo de comida. Tem sinais da vida dura das ruas em sua própria pele. Quando bebe água, limpa, parece que nunca viu água nesta vida. Quem gostou da idéia de uma companhia foi Holly. A princípio, foi difícil, estranho, mas logo tudo começou a se acomodar nas brincadeiras.
Aos poucos deixei o novo gato entrar na casa para comer, brincar com Holly e passei a chamá-lo de Euro. Não demorou muito para que ele começasse a fazer pipi nos sofás e a marcar território, competindo visivelmente com o dono da casa, Holly, que adora sua companhia mas tem sentimentos divididos quando se trata de quem ocupa o meu colo para ver televisão. Os dois brincam, brigam e a gente não sabe quando se trata de uma coisa ou de outra. O certo é que é muito bonito vê-los dividindo as lambidas, rolando pelo chão da casa. Depois de reclamações, Euro achau o lugar certo de fazer suas necessidades e começou a esquecer os safás e as camas, isto é, está disposto a fazer qualquer coisa para pertencer a esta nova família. Antes, Euro era colocado para fora de casa para evitar que ele fizesse pipi nos sofás e camas. Mesmo assim, ele protestava. Queria ficar sempre dentro de casa. No verão ele desaparecia, facilmente, mas no inverno ele ficava na porta, arranhando e pedindo que se abra. Toda vez que isso acontecia, meu coração ficava partido. Mas, não é fácil tirar mancha de pipi de colchões e sofás.
A grande lição que Euro nos dá é de amor incondicional. Ele nos adotou e nos considera família. Tenta nos amar para ser amado. Sabe do sofrimento que já passou na rua. Deita-se no chão à espera de um carinho, que seja servida sua comida, que se abra a porta, que eu volte do trabalho ao final do dia. Ao contrário de Holly, que sempre foi tratado como o príncipe da casa, com tudo a sua disposição, inclusive o excesso de carinho, Euro valoriza cada segundo de atenção recebida. Quando come, lambe o prato no final. Já Holly rejeita a comida depois de algum tempo. Ele quer comida nova e diferente, especialmente cozida e cheirosa. Fica desesperado na hora do meu almoço. Quer saber o que estou comendo e quer que eu divida a minha comida com ele. Só falta falar. Mas, fala de sua maneira, olhando-me nos olhos.
Holly não se contenta em dormir no tapete do chão, ele quer dormir é na minha cama. Euro nem pergunta onde dormir, desde que seja dentro de casa. Quando tem sono, dorme em qualquer lugar dentro de casa, que é muito diferente do relento da rua de que estava acostumado. Tento justificar que Holly não é ainda adulto e que Euro já está maduro para saber a diferença entre viver na rua e numa casa cheia de conforto, especialmente em valorizar cada segundo dela.
Comparando a vida e o comportamento desses dois gatos com as inúmeras pessoas que já cruzaram a vida, por um motivo ou por outro, dá para entender claramente que quando certas pessoas têm tudo na vida tornam-se insatisfeitas, infelizes, incapazes de ver com clareza e podem até achar que o vizinho é mais feliz. Holly me lembra as pessoas que cospem no prato que comem. Aquelas que acham que o mundo tem que fazer tudo por elas. As que não valorizam as coisas que têm nem as pessoas que proporcionam o conforto de suas vidas. Euro sabe o que é dormir sem comer. O que é sentir frio sem a menor perspectiva de um cobertor. Adapta-se facilmente ao que a vida lhe oferece, até o carinho de um estranho. E, o melhor, retribui tudo o que recebe com seu olhar maravilhoso e festivo. Joga-se no chão para pedir amor, atenção e fecha os olhos ao sentir o toque dos tetos humanos, como se nada mais no mundo existisse além daquele momento de afago.