Por José Joacir dos Santos
Quando visitei os Estados Unidos pela primeira vez, no início dos anos 1990, fiquei impressionado com as lojas de filmes pornôs em quase todas as esquinas de New York e encarei isso como sendo uma evolução. Finalmente sexo era visto em vídeo, inclusive o sexo gay – os mais vendidos, até para héteros. Os protagonistas dos filmes eram tratados como “atores” e a mídia daquele país levantava para cima o assunto porque rendia muito dinheiro. Mas este assunto ficava sempre no nível da “indústria” e de seus consumidores, nunca no nível de presidentes das repúblicas.
De março de 1983 a abril de 1984 o país viveu as Diretas-Já e desde então havia um certo clima de “evolução” e liberdade, especialmente no Planalto Central, pós-ditadura. Em Brasília, alguns cinemas exibiam filmes pornôs héteros, do filme “Garganta Profunda” em diante (os gays não eram exibidos, embora houvessem cenas em alguns dos filmes héteros). Mesmo para filmes sem conotação sexual, os cinemas eram cheios e seus banheiros movimentados livremente, especialmente os masculinos. Homens transando nos banheiros eram cenas comuns, até casados. Brasília tinha bons banheiros públicos. Policiais e soldados das três forças armadas também frequentavam para fazer sexo com homens.
Em 1983, o cantor Renato Russo, de Brasília, gravou a “Música urbana”, e nela se refere aos “pênis armados e as tropas de choque”, talvez uma alusão ao cenário da época em Brasília, entre ditadura e a dita dura. Naquela época, jovens se interessam em fazer sexo e no Parque da Cidade, tudo acontecia a qualquer hora. Logo no início dos anos 1990 as igrejas evangélicas, ressentidas, começaram a utilizar o dinheiro do dízimo para aumentar suas fortunas através da aquisição dos cinemas. Isso causou um desastre no comércio dos shoppings em Brasília porque sem os cinemas o povo deixou de visitar aqueles estabelecimentos, alguns deles ainda mal utilizados até os dias de hoje, como o Conic e o Rádio Center. Nos festivais de cinema da cidade era possível ver artistas famosos catando parceiros nos banheiros e no Parque da Cidade. Cinema e praça da alimentação são e sempre serão atrativos de público nos shoppings.
Com o fechamento dos cinemas e a transformação em igrejas evangélicas vazias, as locadoras de filmes tomaram conta das esquinas e a pirataria de filmes pornôs também, até que a internet foi ampliada e os filmes pornôs começaram a surgir em sites especializados, alguns deles gratuitos. Paralelamente, as leis brasileiras passaram a garantir o direito de minorias, inclusive homossexuais, e houve uma calmaria na população porque cada um passou a viver a própria vida no calor de suas casas, sem medo. Entre a população menos esclarecida, especialmente evangélicos sem formação, há a fantasia de que o mundo pornô pertence a gays – ledo engano! Travestis do país inteiro dizem que a maioria de seus clientes é constituída de homens casados e pais de filhos. Em 2018, o Estado do Rio de Janeiro elegeu para deputado um ator de filmes pornô, que foi agraciado com funções importantes no governo federal, embora esse governo, apoiado por evangélicos, tenha constantemente feito declarações contra as minorias gays do país.
Este artigo não pretende cobrir todos os aspectos sociais deste assunto, que são muitos. A ascensão das igrejas demonizadas, isto é, aquelas que utilizam o demônio para coagir as pessoas medrosas, infelizes, iletradas, com baixo padrão de educação, enrustidas, que inflamam o ódio contra gays e que pretendem ser as defensoras da nação brasileira (a versão mascarada da direita política), é visível em todas as cidades do país. Eles compram os imóveis, abrem uma vez ou outra, e só deus sabe o que acontece em seguida. Aparentemente as igrejas funcionam até que os frequentadores começam a brigar pelo dinheiro e imóveis. Separam-se e fundam novas igrejas. Os crimes contra gays aumentaram astronomicamente no país inteiro, especialmente nos estados onde a influência dos fundamentalistas cristãos é maior e aumenta a cada pronunciamento desastrado do presidente. Como diz o velho ditado, o inferno, se existe, está cheio de boas intenções.
Enquanto os partidos políticos de direita estão em plena ascensão, sexo volta às manchetes de jornais, da internet, da televisão, dos grandes jornais do mundo e, pasmem, mencionando o presidente do Brasil. Em 11/06/2019, o jornal Folha de S. Paulo traz uma matéria sobre o tamanho do pênis, cujo título é: “Por que homens se importam com tamanho do pênis e como isso pode afetá-los”. O artigo trata do assunto superficialmente, mas o que chama a atenção é que a inspiração pode ter sido as próprias manchetes daquele e de inúmeros outros jornais que noticiam, com certa frequência, declarações do presidente da República sobre sexo, tamanho do pênis etc. Sem medir as consequências, até piadas sexistas com japoneses o presidente da República já fez diante da imprensa.
Uma dessas declarações que não consegue sair das referências da internet é aquela onde “O presidente Jair Bolsonaro (PSL) faz piada com turista japonês ao passar pelo aeroporto de Manaus (AM) a caminho de Dallas (EUA) ” – jornal Folha de S. Paulo. Outra diz respeito a um vídeo pornô que teria sido postado na internet pelo presidente da República, assunto que não ficou bem esclarecido e não se sabe até hoje quem publicou tal vídeo. Meus amigos estrangeiros me perguntam constantemente e não sei como responder: por que o presidente de um país como o Brasil faz questão de fazer piadas sobre sexo e genitálias masculinas? A verdade é que o vídeo se tornou virótico nas redes sociais de vários países com o título de “Golden Shower (banho dourado) ”.
Embora a internet e a imprensa ocupem grandes espaços para postar artigos e comentários sobre teorias inconclusivas a respeito do tamanho, da grossura e de sua funcionalidade do membro masculino, as teorias do psicanalista Freud sobre a sexualidade como bússola emocional são bastante questionadas nos dias de hoje. A antiga frase parece não soar bem e agora ficou assim: Freud já não mais explica. O que os estudiosos da sexualidade humana afirmam, cada vez mais, é que quando o indivíduo se preocupa demasiadamente com a sexualidade ou com a anatomia das genitálias dos outros é como aquele ditado dos antigos índios: onde há fumaça há fogo. Por que um indivíduo (hétero ou gay), feliz consigo mesmo e com o tamanho de seu membro, se ocuparia tanto com a anatomia física do membro de outros homens?
O Brasil passou a ter uma mentalidade sexual e corpórea mais aviltada depois da ascensão da televisão e das telenovelas filmadas e produzidas por uma grande rede de televisão. O centro de difusão dessa cultura corporal é o Rio de Janeiro, que estende sua influência pelo país inteiro – a cultura do corpo e da eterna juventude. Piadas sexualistas, cheias de preconceitos sobre o tamanho e a grossura do pênis se tornaram correntes ao vento das ruas e de todos os ambientes. Elas são usadas até para agredir pessoas. Homens inseguros são os que mais utilizam o tamanho anatômico como arma e exibem esse falso orgulho em todas as partes. Casais se beijam profundamente nos aeroportos, nos shoppings e em toda parte como se fizessem sexo e necessitassem fazê-lo com audiência. Por traz dessas exibições gratuitas há sempre uma dose de machismo. Homens avantajados se exibem nos metrôs das grandes cidades e nas praias como símbolo de superioridade e poder. Até recentemente, homens, soldados e civis usaram estupro como arma em conflitos entre países do Leste Europeu – e isso foi documentado pela ONU.
Quando olhamos a história da humanidade encontramos em templos, palácios, cavernas, manuscritos e documentos os registros do culto ao pênis como símbolo da fertilidade e da abundância. Lavradores cultuavam (e ainda o fazem no Japão e nos países onde existe o hinduísmo) o símbolo fálico relacionando-o com a terra, a criação, a beleza da vida. Há, na literatura, incalculáveis registros do culto ao deus de membro longo e grosso chamado Priapus, venerado em igrejas até na Europa. O cristianismo é o principal acusado de ter demonizado o sexo, desde que Santo Agostinho defendeu sua tese homofóbica em um dos concílios da Igreja Católica, séculos atrás. Na verdade, a tese do santo não funcionou só contra gays, mas a mulher saiu do centro de importância, entronado pelo macho (e esse macho significa aquele que tem o membro longo e grosso. Nas piadas é muito comum a expressão “curto e grosso”, isto é, ofensivo, forte.
Sim, tamanho e grossura podem ter sua importância quando o assunto for funcionalidade, apesar do prazer sexual não estar relacionado com nada disso, mas, sim, com o afeto. Da mesma forma que qualquer maneira de amor vale a pena, o tamanho e a grossura ou a falta dessas duas referências pode não ser um diferencial para quem é feliz consigo mesmo. O afeto, o abraço, o amor, o carinho devem ser a busca bússola que norteia a felicidade humana, especialmente na privacidade de quatro paredes e não nos dedos apontados por pessoas desequilibradas. Tive clientes mulheres que se diziam violentadas por seus maridos avantajados. Cara ser humano tem uma estrutura anatômica com suas capacidades de acumulação de tamanhos e grossuras. Crianças e adolescentes são mortas com frequência ao serem violentadas e terem suas carnes rasgadas durante o estupro.
Em noticiário de televisão e jornais, recentemente um jogador brasileiro de futebol, famoso, apareceu nas manchetes sendo acusado de estuprar uma moça que foi ao seu encontro em Paris. Pelo que mostram as reportagens, a moça parece que permitiu até a metade e depois resolveu dizer que foi estupro. Logo nas primeiras reportagens ficou evidente que a relação foi anal, o que desbanca todas as crendices de igrejas, de pessoas da direita, de conservadores de plantão. O sexo anal é, largamente, o mais preferido entre homens, inclusive os mais jovens, em todo o mundo. Antigamente as mulheres não eram assediadas nesse sentido, mas esse tempo acabou faz muito tempo. Dessa forma, cai a máscara da sociedade sobre a condenação ao sexo entre homens porque não há diferença anatômica nessa região do corpo humano entre homens, mulheres, animais, peixes. No Nepal há uma grande população de cachorros abandonados nas ruas e entre eles é comum o sexo anal, como nas prisões, no ambiente onde a maioria é homem, nas guerras, nos quartéis, nas escolas, nos shoppings de todo o país.
Sim, a humanidade mudou. Aqueles que patrocinam a queda de braço, com base no Antigo Testamento, vão acabar nos consultórios psicoterapêuticos, se tiverem coragem para isso. Sexo continuará a ser uma das mais belas expressões da humanidade, mas a beleza do ato quem faz são os praticantes. E nisso não faz a diferença o objeto do desejo, faz? (*) José Joacir dos Santos é psicanalista, escritor e jornalista.