Por que colegas de trabalho com quem temos relação de amor e ódio são os mais estressantes
Por David Robson, BBC WorkLife, 22 janeiro 2022
Entre os mais próximos, é fácil identificar dois grupos de pessoas: os amigos verdadeiros, que iluminam os dias de trabalho, e os inimigos declarados – aquelas pessoas que deliberadamente dificultam a sua vida sem motivo. E as pessoas que ficam no meio do caminho? Esses colegas podem oferecer um ombro amigo para desabafar angústias, mas depois as espalham por nossas costas. Ou nos defendem das críticas, mas levam todo o crédito por um projeto conjunto, eliminando suas contribuições sem sequer olhar para trás. Eles ajudam e prejudicam igualmente. São, ao mesmo tempo, amigos e inimigos, ou “relacionamentos ambivalentes”.
Antigamente, os psicólogos do trabalho costumavam ter uma visão em preto e branco dos nossos relacionamentos com colegas, ignorando as muitas áreas cinza das nossas relações sociais. Mas pesquisas recentes demonstram que aqueles que são nossos amigos e inimigos ao mesmo tempo têm a mesma importância ou mais que as pessoas que estão nos extremos do espectro – e trazem consequências próprias para a nossa saúde, bem-estar e comportamento no trabalho. Compreendendo suas complexidades, todos nós podemos aprender a enfrentar a política do emprego com mais sabedoria – e talvez reduzir o estresse causado por essas pessoas.
O bom, o mau e o feio
Não há dúvida que amigos verdadeiros trazem enormes benefícios para a saúde e o bem-estar em geral. Existe uma ampla literatura científica disponível demonstrando que nossas conexões sociais podem elevar a autoestima e nos ajudar a recuperar do estresse com mais rapidez. Elas reduzem não apenas o risco de doenças mentais, mas também de doenças físicas e até da morte. Por isso, não é surpreendente que os relacionamentos totalmente negativos nas nossas vidas causem o efeito contrário: pesquisas demonstram que colegas ou familiares psicologicamente abusivos podem causar enormes prejuízos para a nossa saúde em geral.
Somente na última década, os cientistas começaram a examinar as pessoas desse bloco intermediário – os relacionamentos ambivalentes, que podem ter lados bons e ruins – e seus efeitos sobre as nossas vidas. Para isso, eles desenvolveram questionários simples que pedem aos participantes que avaliem como seus amigos são prestativos ou perturbadores, em uma escala de 1 (absolutamente não) a 6 (totalmente). Dependendo das respostas a cada pergunta, os pesquisadores podem determinar se o relacionamento é de apoio, aversão ou ambivalente.
Segundo Julianne Holt-Lunstad, professora de Psicologia e Neurociências da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, um amigo apoiador teria nota 2 ou mais na característica positiva e 1 na negativa, enquanto o amigo com comportamento indesejado teria o oposto.
O relacionamento ambivalente – amigo e inimigo ao mesmo tempo – teria pelo menos nota 2 nas duas avaliações. Usando essas categorias, pesquisadores como Holt-Lunstad vêm sendo capazes de identificar como nossas reações aos relacionamentos ambivalentes são diferentes dos outros tipos de relacionamentos. Alguns poderiam imaginar que os efeitos da amizade ambivalente enquadrem-se entre os relacionamentos de apoio e de aversão: o bom e o ruim simplesmente se cancelam, de forma que o impacto geral seja neutro. Mas não é isso que acontece.
Em diversos experimentos ao longo dos últimos dez anos, Holt-Lunstad demonstrou que as interações com amigos que também são inimigos ao mesmo tempo podem aumentar nosso estresse, em comparação com os relacionamentos de apoio e de aversão. E, no longo prazo, esse tipo de relacionamento parece causar prejuízos à saúde cardiovascular.
O problema está na incerteza típica das suas reações. Nós podemos desejar sua aprovação ou apoio, mas sabemos que isso pode não vir – e, por isso, ficamos em tensão constante. E, se eles reagirem mal, seu comportamento ofensivo, ou sua simples falta de interesse, irá nos magoar muito mais que o comportamento de alguém de quem simplesmente não gostamos. Holt-Lunstad estima que uma pessoa tem, em média, a mesma quantidade de amigos e de relacionamentos ambivalentes. Mas, apesar dessa pesquisa, muitos sociólogos e psicólogos continuam a ignorar essa questão.
“Embora exista maior reconhecimento da importância da qualidade nos relacionamentos, ainda existe a percepção de que a questão é apenas de negatividade contra positividade”, afirma Holt-Lunstad, que publicou recentemente um artigo descrevendo suas conclusões. “Ainda se subestima como os relacionamentos com aspectos positivos e negativos podem influenciar a nossa saúde e bem-estar.”
Relacionamentos ambivalentes no trabalho
Se as relações de amor e ódio em geral foram pouco estudadas, o seu papel no trabalho é ainda menos compreendido. É uma pena, pois muitos ambientes de trabalho podem ser bastante apropriados para o surgimento e manutenção de relacionamentos ambivalentes. “As organizações muitas vezes nos levam a interações com pessoas que não escolheríamos para nosso convívio social”, afirma Shimul Melwani, professora de Comportamento Organizacional da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos Estados Unidos. Em alguns casos, o senso de competição profissional injeta negatividade na relação de trabalho. Você pode achar seu colega muito agradável, por exemplo, e ficar contente em sair com ele para beber – mas se sentir traído quando ele se candidata à mesma promoção que você.
“É normal que as pessoas queiram progredir, mas também se dar bem com seus colegas ao mesmo tempo”, segundo Naomi Rothman, professora de Administração da Universidade Lehigh em Bethlehem, nos Estados Unidos. Melwani e Rothman realizaram recentemente uma série de estudos para examinar essa dinâmica, e seus resultados foram publicados em setembro de 2021.
Em um experimento, elas pediram aos participantes que entrassem em um “Programa de Amigos Rápidos”, que consiste em responder a uma série de perguntas pessoais para um completo estranho, como relacionar suas conquistas mais importantes. Pesquisas anteriores haviam demonstrado que esse procedimento pode estabelecer rapidamente sentimentos de conexão emocional. Mas, depois de alguns minutos, Melwani e Rothman apimentaram as coisas. Um terço dos participantes continuou a participar de forma puramente positiva – descrevendo o que eles gostavam um no outro -, mas outro terço precisava dizer o que eles não gostavam na outra pessoa, introduzindo certa negatividade explícita. Já os demais receberam uma tarefa mais ambígua: avaliar as conquistas do outro e compará-las com as suas próprias, o que cria um sentido de competição.
Depois dessas conversas iniciais, pediu-se aos participantes que escrevessem uma postagem em um blog sobre a sua instituição, que foi editado pelo parceiro. E eles tiveram em seguida a oportunidade de oferecer um relato por escrito do desempenho do parceiro – diretamente para a pessoa e de forma privada para os pesquisadores. Como esperado, as conversas iniciais moldaram a natureza dos relacionamentos formados rapidamente. As perguntas que incentivaram conversas positivas ou negativas criaram relacionamentos de apoio ou de aversão, enquanto as interações competitivas geraram sentimentos ambivalentes entre os parceiros. Isso afetou o comportamento dos participantes de formas interessantes.
Os que eram amigos e inimigos ao mesmo tempo se esforçaram mais na edição do relato dos parceiros que os grupos de aversão e mesmo os de apoio, por exemplo.
“Eles realmente foram além do que foi pedido”, segundo Melwani.
E ainda foram mais propensos a dar um feedback negativo para os pesquisadores, essencialmente prejudicando a reputação do seu parceiro aos olhos dos cientistas. É fácil compreender por que os parceiros de aversão se esforçaram menos para editar o trabalho do colega – eles simplesmente não se importavam – enquanto os que são amigos e inimigos ao mesmo tempo pelo menos estabeleceram algum sentimento de boa vontade. Mas o fato de que os parceiros ambivalentes também se esforçaram mais que os parceiros puramente de apoio é surpreendente. Os amigos rápidos recém-formados não deveriam ter sido mais cooperativos?
Melwani suspeita que a maior disposição para ajudar pode fazer com que os parceiros ambivalentes eliminem as tensões inerentes a esse tipo de relacionamento – o desejo de manter a cordialidade, mesmo com a irritação e a contrariedade. “Eles não querem que esse relacionamento se torne totalmente negativo”, afirma ela. Por isso, compensam seus sentimentos ruins com mais esforço para melhorar o trabalho do seu parceiro.
O estudo seguinte de Melwani e Rothman questionou funcionários do setor de varejo dos Estados Unidos sobre seus colegas. Elas concluíram que a natureza das relações ambivalentes depende dos anseios de proximidade das pessoas. Quanto mais as pessoas desejavam estabelecer conexão com seu parceiro ambivalente, mais propensas elas ficavam tanto a ajudar quanto a prejudicar seu parceiro no trabalho. Em outras palavras, as intenções positivas significam que todos os elementos do relacionamento, bons e ruins, são mais intensos. “Isso torna a ambivalência mais marcante”, explica Melwani.
Arrumando a desordem
Melwani ressalta que os gestores podem levar em conta essas conclusões e procurar, por exemplo, medidas para reduzir o sentimento de competição entre os colegas, que pode ser uma das causas da ambivalência, e garantir que os relacionamentos permaneçam mais solidários. Para os empregados, Melwani espera que um maior conhecimento dessa dinâmica possa nos ajudar a lidar com os colegas mais difíceis. Ela afirma que nossa memória é muito curta, o que significa que nossos sentimentos pelos colegas ambivalentes no trabalho podem ser facilmente influenciados pelas suas ações mais recentes, sem necessariamente reconhecer que a ambivalência é um padrão duradouro e uma das principais características da relação.
Ao compreendermos isso, podemos determinar se os benefícios superam o potencial de contrariedade e se talvez estamos muito necessitados do seu respeito ou afeição. É preciso lembrar que a pesquisa de Melwani demonstra que o desejo de proximidade amplifica os sentimentos ambivalentes. Por isso, se você começar a sentir-se estressado demais com o relacionamento, talvez possa tentar ser um pouco mais realista nas suas expectativas sobre o que o seu parceiro ambivalente poderá oferecer, sem necessariamente eliminá-lo completamente da sua vida. Às vezes, precisamos aceitar que alguém nunca será um amigo próximo, mas que vale a pena manter o vínculo com essa pessoa – à distância.
——— David Robson é escritor. Seu próximo livro, O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida (em tradução livre do inglês) foi publicado no Reino Unido em 6 de janeiro de 2022. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.