Por RITA ABUNDANCIA, jornal El Pais, 14 JUN 2019 – 02:12 CEST
Alguns homens heterossexuais começam a se interessar em experimentar, na própria carne, o prazer da parte de trás e o incorporam às suas relações com mulheres.
Não cabe dúvida de que o ânus é uma zona erógena com uma enorme carga simbólica, cultural e social. Durante muito tempo foi o anticoncepcional mais seguro e a única maneira que as mulheres tinham de chegar virgens ao casamento, embora não inexperientes. Talvez por isso, entregar o traseiro era sinônimo de lascívia e entranhava também um grau importante de submissão.
Na Grécia e Roma antigas, como conta Valérie Tasso em um artigo a respeito, “não existia nenhum impedimento pelo qual essa zona não pudesse ser utilizada por um homem para o prazer, independentemente de que fosse o ânus de uma mulher ou o de outro homem. Só havia uma regra de ouro que nenhum homem que se prezasse podia violar: devia ser sempre o agente ativo, e nunca um mero sujeito passivo (isso era coisa de mulheres, escravos ou efebos).
Há alguns anos, começou a falar-se do bud sex (bud nesse contexto significa colega ou amigo). Homens héteros que mantêm relações homossexuais, mas que não se consideram gays. Além disso, muitos exibem também condutas um tanto homofóbicas.
Em 2017, um sociólogo da Universidade do Oregon, Tony Silva, dedicou-se a estudar este fenômeno, que ocorria geralmente entre homens brancos que viviam num meio rural, nos EUA. Silva, a quem entrevistei para um artigo, relacionava esta prática aos múltiplos fatores que afetam a identidade sexual, como a cultura, o contexto social, o lugar, o momento histórico e as interpretações pessoais. “De fato”, dizia este sociólogo, “as identidades sexuais, tal como as conhecemos hoje em dia (héteros, gays, lésbicas, bissexuais etc.), só foram classificadas entre meados e o final do século XIX, e a forma de entendê-las não é a mesma em todo o mundo. Mas não só isso: como se viu no estudo, pessoas com a mesma cultura podem ter práticas sexuais similares, mas interpretá-las de formas distintas, dependendo do conceito que tenham da sua própria sexualidade”.
Para Silva o termo bud sex poderia ser aplicado àquelas relações que seus participantes interpretam como ajudar um amigo (em que está ausente o fator romântico), entre homens brancos e heterossexuais, ou secretamente bissexuais. São encontros secretos, sem consequências e sem associação nenhuma a ideias como feminilidade ou homossexualidade.
Nesta evolução da conduta sexual, alguns homens cogitam agora explorar, na própria carne, o prazer que o sexo anal pode lhes proporcionar com suas parceiras. “Mas fazem isso muito timidamente e procurando sempre uma permissão profissional ou social”, observa Raúl González Castellanos, sexólogo, psicopedagogo e codiretor do Ars Amandi, centro de terapias sexológicas e psicológicas em Madri.
“O beijo negro ou anilingus, praticado por sua parceira, é algo mais fácil de aceitar para um hétero, mas o fato de ser penetrado já é outro assunto”, diz González Castellanos. Serena, massagista erótica que trabalha em Madri e se anuncia na Internet, reconhece que muitos homens lhe pedem o extra do pegging (penetração anal com um dildo e um arnês). “São heterossexuais, mas querem provar esta prática ou já a provaram e acham muito excitante. Entretanto, não se atrevem a pedir às suas mulheres ou parceiras, por medo da sua reação”, conta Serena.
Anos atrás, guardei um recorte do EL PAÍS sobre um espetáculo — um monólogo que a atriz Isabelle Stoffel apresentou na capital espanhola e no Festival do Edimburgo, lá por 2013. A obra se chamava A Rendição, falava de sexo anal, e Stoffel argumentava teorias como estas: “No cu, a verdade sempre vem à luz. Um pau num cu é como a agulha de um detector de mentiras. O cu não mente: se ele mente, dói em você”. Ou esta outra: “Na sodomia, confiança é tudo. Se você resistir, podem te machucar de verdade. Com esta prática aprendi muito, mas sobretudo aprendi a me render”.
O ponto G masculino
“A zona localizada entre os testículos e o ânus (incluindo também este) é uma zona muito sensível”, diz Marta Jesús Camuñas, sexóloga e psicóloga da Amaltea, centro de educação e medicina sexual em Zaragoza. Aí fica o períneo e muitos localizam o ponto G masculino, no interior do reto, a 4 ou 6 centímetros de profundidade. “É uma zona em contato com a próstata, que alguns homens relacionam com uma sensação muito prazerosa. Embora, como ocorre no sexo, o prazer dependa de muitos fatores, além do fisiológico. Há a situação e a companhia, que influenciam poderosamente no desejo”, afirma a especialista.
Os benefícios da massagem prostática é outro dos argumentos que os curiosos ou os amantes desta prática esgrimem. “Qualquer parte do corpo que receba uma estimulação correta será beneficiada”, comenta González Castellanos, “mas ainda se sabe pouco a respeito, embora já tenha ficado demonstrado que a ejaculação frequente não é boa apenas para a espermatogênese [produção de espermatozoides], mas também para adiar os problemas de próstata, apesar de antigamente dizerem que estes transtornos eram o castigo divino aos homens promíscuos. Levar a zona anal em conta também pode ser uma opção sexual a mais para homens que, por determinadas circunstâncias, não tenham ereções”, conclui o sexólogo.
Para os que estiverem dispostos a explorar a porta de trás, sem medo das etiquetas ou preconceitos, González aconselha que “seja algo combinado entre as partes e que haja um mínimo ingrediente de curiosidade e desejo. É preciso também reforçar a higiene e ir muito devagar, já que a musculatura do esfíncter anal é concêntrica e será preciso dilatá-la pouco a pouco”. As lojas de brinquedos eróticos já dispõem de pequenos dildos e de lubrificantes especialmente desenvolvidos para essa área delicada. A zona da verdade, como a chamava Stoffel.
Matéria abaixo foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, dia 18.jul.2019 às 14h47 – Advertência do editor deste site: linguagem chula, não jornalística.
Sexo anal: um guia prático para a primeira vez
Por Dolores
Quando eu era adolescente, adorava que saíssem nas revistas Capricho e Atrevida aqueles guias tirando dúvidas sobre como era beijar um garoto, transar pela primeira vez, botar camisinha. Mas nunca nenhum deles sequer mencionou sexo anal. As revistas femininas, depois que cresci, também não escreviam nada muito produtivo para quem se interessava pelo assunto – só mesmo dicas suaves, quase puritanas. Até mesmo hoje, com a internet, é raro a gente ver quem fale a verdade sobre sexo anal. Ninguém menciona dor, sujeira, vergonha. Pensando nisso, resolvi que era hora de botar o pau na mesa e a bunda pra jogo, e chamar quem entende do assunto para uma conversa definitiva.
Com vocês, um papo com meu melhor amigo gay, 34 anos e expert na arte de ser feliz via porta dos fundos.
Afinal, dar o cu dói?
Dói. A intensidade depende de como é feito. A gente tem que pensar que o ânus é um músculo, e, como todo músculo, dilata e contrai. E, se não estiver relaxado, vai machucar. E o objetivo é que o sexo seja prazeroso. A técnica principal, para mim, é foco nas preliminares. Muita gente torce o nariz quando a gente fala de lamber o cu, o cunilingus, beijo grego, tem várias denominações. É o que, para mim, ajuda a relaxar. E é muito bom porque você vai estimulando a parte dos nervos. Ainda não tem a penetração, então não tem o atrito, e você vai fazendo com que relaxe. Para mim ajuda muito e me dá muito tesão, inclusive. E pode ser uma boa forma de iniciar o sexo anal. Outra coisa que muita gente faz é começar a introduzir elementos que não sejam tão invasivos, como um dedinho ou dois. Eu não gosto muito, me incomoda. Mas funciona, porque o músculo vai se acostumando, vai ficando mais flexível. E o mais importante é a lubrificação. Tem que lubrificar muito, e ficar com o lubrificante do lado, não economizar. Passar lubrificante no ânus o tempo inteiro, no pênis o tempo inteiro, na camisinha, porque isso ajuda. Faz com que não doa, e chega uma hora que o ânus está dilatado e aí é só prazer. Você não sente mais dor nenhuma, e é show.
Existe alguma técnica para não doer ou para doer menos?
O homem tem que ir devagar, realmente devagar. Tem que pensar que é uma área sensível e bem delicada, e ir ouvindo como o parceiro ou parceira está sentindo. No começo vai doer um pouquinho, mas, se for feito devagar, prestando atenção em como o prazer está sendo conduzido, chega a ser uma dor quase rápida.
Um dos principais medos de quem vai dar o cu e não tem muita experiência é que, ao entrar lá, o pênis do cara encontre ou bata em, como dizer, um cocozinho. Isso acontece mesmo? Com que frequência?
Acontece, e acontece bastante. Eu inclusive já tive infecção urinária duas vezes, com dois namorados. Acontece comigo sobretudo quando é com novos parceiros. Daí entra alguma coisa de fezes no canal do pênis. Mas, assim, sujar, de ficar uma caganeira, já rolou, já saiu cocô comigo e com o outro. Vai acontecer. Porque, né, é o reto, não tem muito o que fazer. Quando você começa a fazer sexo anal com frequência, em uma relação estável em que acontece bastante, de uma forma muito milagrosa a incidência disso é menor. Não sei se você vai ficando acostumado.
Tem algum jeito de evitar?
Tem gente que faz chuca. Eu já fiz, mas não gosto, não acho que é legal nem confortável. Existem os enemas que você pode comprar na farmácia. Tem alguns que são até portáteis. Você vai ao banheiro, introduz no ânus, segura um pouco, e depois solta. Não acho interessante porque não acho que seja garantia de nada, tem vezes que você sai limpo, tem vezes que não sai. Uma vez me ferrei e nunca mais usei. Pode ser, por exemplo, um dia que você esteja produzindo mais fezes, e não vai limpar. Mas tem gente que prefere, e tudo bem. Já li muito sobre o assunto, e parece que, ao fazer o enema, você limpa não só as fezes, mas também a lubrificação do ânus. Raramente faço sexo que não seja com namorado, avulso eu evito dar. E nunca faço sem camisinha, e, com camisinha, o atrito e o desconforto são muito maiores, então evito. E com namorado eu faço sem, e meu medo de fazer chuca é sangrar, fazer alguma lesão no ânus, e eu sou paranoico com essas coisas. Não gosto muito de fazer chuca, e acho que lubrificação é essencial, sobretudo os lubrificantes à base de água, que acho os melhores. O KY é insuperável. Acho que se você tem um intestino minimamente regulado, e sabe mais ou menos quando evacua, dá para evitar fazer sexo anal antes. Eu, por exemplo, vou ao banheiro todo dia de manhã, e não vou fazer sexo se ainda não fiz coco no dia. Você pensa: vou ter que cagar em algum momento, e se eu fizer sexo agora vai dar bosta, literalmente. Mas se eu tive um dia regular daí eu vou, porque eu sei que não vai sujar. Acho que prestar atenção é fundamental.
Se você pudesse fazer um guia rápido de bolso para quem quer iniciar nesta arte, o que escreveria nele?
Um resumo destes conselhos: tem que ter uma boa preliminar, uma boa conversa, e não insistir se estiver doendo muito. Se está lá na penetração e você continua sentindo dor, tem que parar. Se é algo tolerável e consegue sentir prazer, a tendência é que o prazer aumente e a dor desapareça. E quem é o ativo tem que ser muito responsável, nada de achar que está comendo um saco de batatas. Tem que ir devagarinho. Vai ter uma hora que o ritmo vai pegar, vão estar os dois curtindo e vai ser muito legal. Como diria Sandy, é possível ter prazer anal.