Por José Joacir dos Santos, psicoterapeuta
Solidão é um sentimento que só sabe definir quem já experimentou. Há vários graus e essa dinâmica depende da estrutura emocional de cada pessoa. Várias situações podem definir a intensidade da solidão em uma pessoa adulta. Basta um gatilho para o banco de dados ser acessado e tomar conta do momento do indivíduo. Todo processo de solidão tem causa, motivo, guardado na caixinha emocional. Para citar um exemplo bem atual, vamos falar da Covid-19. Milhares de pessoas foram obrigadas a se isolar. Entre elas existiram as que aceitaram a situação porque compreenderam que o momento era o de escolher entre a vida e a morte, entre uma máscara ou uma UTI. Mas, muitas pularam pelas janelas e saíram desesperadas buscando companhia, festas, carreatas, fogos de artifícios, viagens para ilhas caribenhas, multidões irresponsáveis, passagens aéreas baratas, Natal em Londres etc. Para elas, qualquer coisa que lhes tirasse da ameaça de ficar consigo mesma por um tempo era válido, nem que fosse desastrosa, inconsequente, anti-humano, antissocial.
Quando a solidão chega, da noite para o dia, tudo ao redor muda. Tudo o que era colorido fica cinza. A pessoa começa a se distanciar de tudo do momento presente. Ao mesmo tempo, abre-se a caixinha de segredos guardados. Vêm à tona os sofrimentos da infância, adolescência, os namoros que não deram certo, o casamento sem emoção etc., abusos escondidos. Se nessa viagem houve outros traumas, acidentes, doenças, decepções, tudo vem. Dependendo da pessoa, a crise de solidão pode chamar a atenção para vampiros e obsessores. A energia de tudo o que não foi resolvido ou foi sofrido vira um tormento que se mistura aos fantasmas da solidão do presente momento. Dormir, sonhar, tudo é ruim. A cama fica quente demais, o ar parece estar precário, nada satisfaz. A sensação de estar sozinho no mundo, sem ninguém, é terrível. Sabe aquelas pessoas que acabaram de passar sorrindo? São feias, racistas, homofóbicas, sei lá mais o que possam ser… Tudo isso pode se complicar depois dos 40 anos de idade, especialmente naquele indivíduo que não assume responsabilidade alguma na vida, como uma relação afetiva, a adoção de um animal, a filiação em um grupo de ajuda etc. Aquela pessoa que viveu a vida inteira em uma cidade cheia de escolas e jamais terminou nenhum estudo. A velhice sozinha, a perda de companheiro, amigo ou familiar, a família estranha que briga muito e não se visita mais. Os abandonados nas casas para idosos, os órfãos, os sozinhos no mundo, aqueles que preferem qualquer coisa a ter contato com alguém da família de sangue.
Quem viaja para o estrangeiro sabe o que é se sentir só na multidão, com tudo diferente do que é a sua própria referência. Muitos desistem de projetos importantes porque não aguentam viver sem o que estava antes acostumado. Em uma cultura com a brasileira, onde muita gente vive de esquecer quem é, mergulhando seu ser em festas, carnavais, caravanas, igrejas, qualquer outra coisa para não se lembrar que na próxima segunda-feira terá que trabalhar e se lembrar quem é. Há os que só conseguem viver se estiverem arrodeados de muita gente, mesmo que aquela convivência não sirva para nada. Só bobagens.
Há os solitários acompanhados. Assistem tv juntos, cada um no seu celular. Viajam juntos, cada um com um celular na mão mandando fotos e mensagens para quem não viajou, esquecendo que está acompanhado. Há os que reclamam do aqui e quando estão no ali sentem uma saudade desesperadora do aqui. Crianças nascidas em famílias numerosas tendem a se sentir solitárias como o são os filhos únicos. Mulheres que engravidam e o marido aproveita para “fazer plantão” no trabalho na sexta-feira… Idosos que veem amigos, parentes e conhecidos tomarem o avião para o outro lado da vida e começam a se desesperar de medo de chegar a sua vez. Todo mundo morre, mas ninguém quer saber disso.
Solidão pode desencadear uma série de problemas de saúde. Dependendo da história emocional da pessoa, pode desembocar em doenças graves como Alzheimer, câncer e outras doenças que afetam o sistema nervoso central. A solidão facilmente pode se transformar em depressão e melancolia, a doença que mais afeta a humanidade. Pode se complicar se o indivíduo tem tendência a se automedicar, tomar ansiolíticos ou drogas ilícitas. A solidão dói em todas as partes e há pessoas que desatam a comer para tentar suprir o que é impossível, desencadeando obesidade e desequilíbrios intestinais e hormonais. Quem nunca viu uma pessoa sentada sozinha em um bar afundando em garrafas de cerveja? E aquela que vai para uma festa popular para agredir e provocar pessoas, chamar a atenção para a desgraça da vida em que se meteu? E aquelas que tentam fazer das ruas pistas de autódromos? Certa vez conheci uma pessoa em Brasília que vivia de prestigiar manifestações na Esplanada dos Ministérios, fosse de quem fosse. Perguntei o porquê dessa dedicação e a pessoa baixou a cabeça e começou a chorar. Ela não tinha se dado conta que tinha isolado a sua pessoa para viver outras que sequer conhecia. Que quando voltava para sua casa, as vezes no meio da noite, não tinha ninguém para chamar de seu. O espelho do banheiro estava quebrado.
No primeiro sinal de solidão, a pessoa deve procurar ajuda. Ligar para alguém, admitir que está se sentindo solitário. A mente é uma caixinha de surpresa. Se a pessoa resolve usar a solidão como chantagem emocional contra alguém ou contra si mesma, o tiro pode sair pela culatra. O sistema mental tende a entender que tudo o que o seu dono quer e pensa deve ser multiplicado imediatamente. A solução é deixar a toca, buscar alguém que possa conversar e até vomitar o bolo indigesto que estiver em formação na sua mente, nas suas emoções. Há os que buscam sexo fácil, com desconhecido e isso pode ser uma armadilha perigosa. As companhias que se encontram só para se drogar são como uma porta consumida por cupim, oca, que mal se sustenta em pé e que no primeiro vento forte vai cair.
Todo ser humano passa por momentos de solidão e aprendizado. Alguns desses momentos são renovadores, pacificadores, como se sentar de frente para o mar e apreciar o movimento das ondas, a alteração das cores da água, os bichos que saem da água para buscar alimento, os transeuntes de biquini e calção. Já fiquei em um sítio, grande, sozinho e o meu cérebro perdeu o controle diante de tanta beleza que a natureza pode oferecer em momentos de silêncio e contemplação. Há feridas que precisam da nossa solidão para serem curadas. Que o digam aquelas pessoas que saem de um relacionamento e entram em outro, as vezes mais desastroso que o anterior, só para não ficarem sozinhas. E amargam o preço do seu desespero. Não é a cabeça do outro que vai nos fazer feliz.
Há momentos solitários maravilhosos que a yoga e o Reiki podem oferecer. Aliás, quando a gente se volta para a nossa própria cura acaba descobrindo que nada no mundo é mais interessante e maravilhoso do que a gente mesmo. A velhice pode ser um grande momento na nossa vida e isso só acontece com aqueles que constroem suas vidas baseadas no momento presente, aqui e agora, hoje. Neste momento único do tempo em que estou sozinho e escrevo, mas o meu ser está feliz porque sabe que você leu tudo até aqui. 16/01/2021