Por Javier Salar, jornal El Pais, 16/09/2015
A arte da tatuagem evoluiu muito desde que Ötzi, o homem do gelo, se tatuou há 5.000 anos. Infelizmente, o conhecimento sobre as tintas utilizadas não avançou tanto quanto a sofisticação dos desenhos. Na verdade, pode-se dizer que nos tatuamos cegamente, sem conhecer os ingredientes que são injetados ou por que causam rejeição e reações adversas de todos os tipos nos tatuados. O alerta foi feito por um grupo internacional de especialistas na revista médica The Lancet, chamando a atenção das autoridades, tatuadores e dos cidadãos sobre o risco para a saúde representada por não se saber exatamente o que está causando esses efeitos colaterais na população e, principalmente, o que pode acontecer no longo prazo.
Especialistas alertam que o maior problema pode surgir a longo prazo, já que não se sabe ao certo como as tintas interagem com o organismo
Entre 1% e 5% de todas as tatuagens que são feitas hoje têm provocado infecções bacterianas, embora existam muitos outros problemas: desde úlceras localizadas no desenho até casos graves que afetam todo o organismo, além de reações alérgicas e inflamações. Um estudo da Alemanha publicado em 2010 constatou que 67,5% das pessoas tatuadas revelaram ter experimentado alguma complicação e, em 6% dos casos, o problema havia se tornado permanente. No entanto, apenas os casos mais graves acabam no consultório médico, por isso o perigo continua oculto.
Por exemplo, sabe-se que as tatuagens que usam tintas coloridas provocam mais problemas, especialmente o vermelho, que gera mais reações alérgicas do que as outras cores. No entanto, os especialistas desconhecem as razões. “A ausência de testes de alergia confiáveis para as cores das tatuagens continua sendo um problema premente. Principalmente porque essas alergias causam não apenas sérias complicações, mas também uma sensibilidade a corantes têxteis”, dizem os autores da pesquisa, coordenada por Andreas Luch, doInstituto Federal da Alemanha para a Avaliação de Riscos.
O vermelho é o corante que provoca mais alergias, mas nenhum dos estudos realizados conseguiu identificar o motivo
“[As] tintas e pigmentos utilizados tradicionalmente estão sendo substituídos por corantes que nunca foram usados antes. Essa evolução coincide com o aumento de relatos de reações adversas”, alertam os especialistas, “e, portanto, representa um desafio para a avaliação e regulamentação do risco das tintas de tatuagem em todo o mundo”. Os autores do artigo alertam que as tintas utilizadas atualmente não têm nada a ver com as do passado e que “nenhuma” foi avaliada do ponto de vista toxicológico para sua aplicação sob a pele humana. “Os pigmentos foram elaborados principalmente para uso industrial, não para aplicá-los nas pessoas”, afirmam.
Até alguns anos atrás, os problemas de saúde relacionados com as tatuagens tinham mais a ver com a higiene e as infecções por causa das condições precárias dos estabelecimentos e práticas comuns como umedecer a agulha com saliva. Com a popularização dessa prática e a introdução de rígidas normas de higiene e de saúde, esse problema foi resolvido. Mas a falta de regulamentação dos produtos usados nos desenhos sob a pele está causando novos problemas. Os especialistas alertam que o maior problema pode surgir a longo prazo, já que não se sabe ao certo como as tintas interagem com o organismo e, em muitos casos, tem-se observado que as reações demoram meses para surgir ou mesmo anos. “Embora as razões exatas ainda não tenham sido elucidadas, essas complicações tardias são um exemplo de um problema muito maior: o depósito intradérmico dos pigmentos da tatuagem representa uma exposição para toda a vida”, dizem os especialistas.
Na Europa, pelo menos 100 milhões de pessoas têm uma tatuagem, mas as autoridades não regulamentam os corantes utilizados.
Um estudo realizado por autoridades suíças entre 2008 e 2013 sobre tintas de tatuagem encontrou 39 corantes orgânicos diferentes, sendo que nenhum tinha sido testado para uso em contato com a pele humana, embora o uso desses produtos tivesse se generalizado no período. As novas tintas, juntamente com os corantes, contêm metais pesados, e o estudo dessa composição revelou titânio, alumínio, cobre, cobalto, chumbo e cádmio, entre outros. Além disso, as nanopartículas de óxidos de alumínio e de titânio são usadas, por exemplo, para criar efeitos e brilho nas tatuagens. Ainda não existem estudos de como esses coquetéis atuam sob a pele.
Esses desenhos podem gerar várias reações alérgicas, que geralmente se desenvolvem lentamente. Por isso, a impressão dos especialistas é que essas reações nem sempre resultam dos elementos do corante, mas que os alérgenos são formados no interior da pele ao metabolizá-lo. O vermelho é o corante que provoca mais alergias, mas nenhum dos estudos realizados conseguiu identificar o motivo. Outros estudos revelam que até 20% das amostras de tinta estavam contaminadas com bactérias, quer no processo de fabricação ou pela utilização de água contaminada ao serem diluídas.
Na Europa, pelo menos 100 milhões de pessoas têm uma tatuagem, mas as autoridades não regulamentam os corantes utilizados. Vários países pediram que a Comissão Europeia tome medidas, já que atualmente esses produtos não são considerados nem cosméticos nem medicamentos para que possam ser regulamentados. A Comissão destaca que, desde 2010, os países da UE têm adotado uma série de medidas contra essas tintas por apresentarem riscos graves para os consumidores: a Dinamarca e a Áustria já proibiram a importação de algumas tintas com elementos tóxicos, segundo o site Chemical Watch; 70% dos corantes utilizados na UE são provenientes dos EUA, onde esses produtos tampouco são analisados.
“São necessárias medidas internacionais urgentes para a proteção dos consumidores”, alerta o estudo. E os especialistas acrescentam: “Embora a indústria necessite obedecer a regulamentação existente e adotar uma postura mais proativa sobre a segurança das tatuagens, reguladores e cientistas têm a responsabilidade de avaliar os possíveis riscos das tatuagens. O ideal seria que essas avaliações dessem lugar à aprovação de substâncias que são seguras para a aplicação intradérmica até uma dose definida”.