Por Jose Joacir dos Santos. Fotografia – Kuan Yin, deusa da Compaixão e do Perdão, autor de Jose Joacir dos Santos
Feliz de quem fica velho, com saúde, especialmente a saúde mental. Obviamente que é impossível ficar idoso sem ter um probleminha físico aqui e outro ali, porque os nossos órgãos internos têm a validade imposta pela genética, pelos nossos hábitos alimentares, estilo de vida, meio-ambiente físico, social e uma série de outros fatores como a capacidade de se amar e se perdoar. Só é difícil de contornar quando envolve questões mentais, onde a ciência patina nos experimentos farmacológicos. Quem está livre hoje em dia de contrair uma doença mental? Qual a probabilidade de você ser assaltado em algumas cidades do nosso querido país? Quem ficará velho mais cedo: quem mora sob o calor do deserto, que nada produz, ou quem mora no vale florido onde nasce?
A velhice não foi criada para competições olímpicas, embora haja pessoas que conseguem fazer esportes depois dos 60 anos de idade. Sorte de quem envelhecer e ter conseguido construir certa estabilidade financeira em paralelo com a aposentadoria, com músculos fortes. Envelhecer de bem com a vida é um privilégio da genética, da força de vontade, das oportunidades, das omissões, das batalhas internas e externas e dos desígnios da espiritualidade – o carma. Não esqueçamos que praticar esporte tem seu lado sociocultural. Ninguém pode querer praticar esporte, na juventude, se tem que trabalhar para se sustentar. Daí a importância dos programas sociais dos governos, da compreensão da família, mas nem todo governo se preocupa com esses programas essenciais como o Bolsa Família sem usá-lo para agendas políticas pessoais. Feliz daquele (a) que envelhece e tem um lugar para morar onde for livre para caminhadas. Alguns precisam de companhia para caminhar. Muitos (as) não tem essa sorte e se acomodam dentro de casa. É na velhice que você conhecerá quem é quem na família.
A vida é como uma longa estrada, cheia de curvas, montanhas e riscos, onde a gente está sujeito a se encontrar de cara a cara com motoristas bêbados, drogados, cheios de malícia, agressivos, emocionalmente doentes, capazes de lhe jogar para o buraco do acostamento gratuitamente, só pelo prazer da maledicência. Driblar tudo isso exige muita sorte, coragem, força de vontade e ajuda dos céus porque o relógio da vida fisica está trabalhando incessantemente. A infância é um tempo de brincadeira, onde o banco de dados da memória está quase inativo, que lástima! A adolescência é como uma lâmpada que vai se acendendo aos poucos até atingir sua capacidade máxima para dar lugar a outro tipo de impulso energético, com todos os riscos que o momento lhe impõe. Em todo esse processo, a vida nos dá a chance de navegar na longa estrada com ou sem atropelos. Ao longo da estrada há santos e demônios, depende de que lado você usa a sua intuição para acessar essa conexão.
Há momentos decisivos, como casar e ter filhos, onde você tem que se enquadrar nos padrões sociais ou ser você mesmo e ter que matar um touro a cada dia. Todos os dedos apontarão para você, muitos deles querendo lhe convencer de fazer o que eles querem, e nisso não está incluído a sua agenda. Não é nada fácil nem interessante viver lutando para não ser uma cópia de outras pessoas e empurrar para bem dentro da sua alma a força vital dela mesma. Há os que se acomodam bem, cumprem os papéis que lhes são impostos, mas passam pela vida sem deixar contribuições mentais positivas para si mesmos e para a humanidade. Há os que se rebelam, mas não sabem como falar das flores e caem no escuro da noite, embora seus corações sejam bons e honestos, em um inferno cheio de demônios com intenções diversas.
A família pode ser uma faca de dois gumes ou um grupo de atores vestindo suas fantasias a cada carnaval, natal, semana santa, São João, fingindo que sua cidade não é o centro da criminalidade do país e estampando sorrisos falsos de alegria no horário nobre da televisão. As teorias do carma são muitas e complexas, mas não há garantia de que você nasceu na família certa, no sentido de que ela vai contribuir, de todas as maneiras, para lhe ajudar a vencer seus obstáculos. Ou, vai criar todos os obstáculos para você tropeçar a cada batente da grande escada. Não há como saber previamente, a roda do carma é maior do que qualquer um de nós. Nesse turbilhão diária, a gente está envelhecendo e só se salva quem se arrisca a se proteger de todas as intenções externas.
Ninguém recebe um guia prático ao nascer. A responsabilidade parental é imensa, mas não há garantia de que os pais estão seguindo a receita de um livro que não existe, corretamente. Alguns esquecem do açúcar. Outros do sal. Outros nem se esforçam para ver a cara de quem ajudou a trazer para este mundo cruel. Sim, as pessoas podem ser cruéis, mesquinhas, capazes de mentir, levantar falsos testemunhos e tentar lhe empurrar no primeiro abismo disponível. Por isso que a responsabilidade parental é tão lembrada, tão importante, mas se falhar, falhou. É você por você! Existe a possibilidade de pessoas envelhecerem e manterem suas famílias coesas, amorosas, lutando junto, celebrando junto, chorando junto, construindo junto.
Mas, nada nesta vida existe sem ter os dois lados da moeda. Existe a possibilidade de pessoas acharem que velhos são doentes e que devem ser postos em asilos como cargas vencidas. Sim, elas são até capazes de usar os recursos financeiros de seus idosos para castigá-los à solidão das casas de repouso. É muito contraditória a palavra repouso, neste caso. Quem gostaria de ter um repouso sem afeto, carinho, companhia, presença, cuidado. Há cuidadores bons, dedicados, mas não são família.
Sim, joelhos, ombros, estômagos e outras partes físicas se desgastam com o tempo. A visão também enfraquece, aquela força para levantar peso se vai, desejos sexuais já passam de época. Os ouvidos já não aguentam barulho. A memória falha aqui e ali. A possibilidade de cair no banheiro é grande. Mas o idoso pode ser aquele banco de dados da história familiar, da sabedoria adquirida, das receitas bem cuidadas, dos conselhos com experiência, do afeto e do carinho. Pode ser hoje o seu espelho de amanhã. É a mão que treme, mas é honesta e sincera.
Cada um de nós envelhece de forma única. Não há padrão. Ninguém é igual (fisica, mental, emocional e espiritualmente). Somos criação única do universo. Cada um atua dentro da programação trazida de outras vidas e adicionada nesta visa, onde os fatores familiares têm grande participação. Família é aquela que cuida, não depende do sangue. A família se autoconstrói. O que você está fazendo hoje vai ser adicionado no futuro, não só no seu futuro, mas no futuro de todos os membros da sua família, conhecida e desconhecida, sanguínea ou sem parentesco algum. Se você pensa que nada disso lhe afeta, sinto muito por você. Há coisas nesta vida que a gente tem a ilusão de pensar que não tem nada a ver com a gente. Se o degelo dos glaciais, lá no Polo Norte, afeta o calor e a chuva da minha cidade, imagine os pensamentos e ações familiares, mesmo daquele familiar que não conhecemos.
Velhice só é doença na cabeça de quem quer pensar que é. Não há nada que possamos fazer. Mas, esteja atento (a), a sua conta vai chegar um dia, cedo ou tarde, de forma amorosa ou perversa. Com rugas felizes ou amargas. E você poderá ter a ilusão que de os holofotes não são para você, sinto muito.