Por José Joacir dos Santos
Em visita a Roma, decidi não fazer os famosos passeios ao Museu do Vaticano e à Capela Sistina porque os preços dos ingressos são exorbitantes, as filas imensas e lentas, sem contar com o calor. Optei pelo meu próprio roteiro, a pé, apesar do Sol de verão, com a diferença de que tinha contato direto com o povo. O Capitólio me chamou a atenção pela exposição das peças de mármore de Michelangelo, executadas antes do descobrimento do Brasil. O prédio em si já é repleto de histórias, como toda a cidade.
Depois de visitar, lentamente, as instalações, lendo placa por placa de todas as peças, algumas delas tão reais que parecem estar vivas, sentei-me no chão, no lado de fora do prédio, para apreciar mais uma vez a arquitetura. Um dos cantos da praça me chamou à atenção. Fui até lá e havia uma placa indicando umas escadas para baixo: Prisão do Apóstolo Pedro. Desci as escadas e cheguei à portaría da prisão onde colhi as informações. Teria que descer vários níveis de escadas porque a prisão fica em um porão, iluminado por luzes artificiais, construída pelo Império Romano para abrigar prisioneiros à espera de julgamentos.
O meu desafeto com porões me impedia de fazer a visita. Subi as escadas de volta para a praça mas uma voz interior começou a falar alto: por que não enfrentar o medo de porões? Desci as escadas outra vez e fui comprar o bilhete de entrada. A recepcionista estava fechando a porta e gentilmente disse-me para voltar no dia seguinte pela manhã.
Acordei cedo na manhã de domingo e fui ao local a pé. As postas só abririam às 09:00 mas eu quería estar lá sozinho para sentir a atmosfera do local. Desci as escadas e fiquei esperando sentado na porta da prisão. Este local não é muito conhecido pelos turistas. Eu era a única pessoa naquela local, olhando para os escombros do antigo senado romano de muitos séculos de idade. De repente uma freira, vestida de branco e negro, desce as escadas. Dou bom-dia em inglês, ela pára, dá um sorrizo e volta para onde veio. Não sei se era real ou um espírito.
Olho no relógio e são 8:40. Escuto atrás de mim um miado de gato e desta vez tinha certeza de que era real: uma bela gata egípcia. Chamei para perto e ela veio. Enquanto acariciava, desce pela escada a recepcionista, que logo me reconhece e saúda a sua conhecida: ela vive aquí na prisão e todas as manhãs vem para eu lhe dar de comer. Enquanto ela fala, observo que usa o mesmo tipo de sandalia que eu uso, apesar de ter comprado as minhas em outro país, em uma loja de liquidação. A senhora se desculpa e diz que temos que esperar porque a chave está com outra colega. Ela cumprimenta a gata do mesmo jeito que eu faço.
Sem nada me perguntar, ela se senta nas escadas e começa a contar a história da prisão, que é ligada ao senado por um túnil onde passavam os prisioneiros para julgamento. Os romanos cavavam as prisões no chão. Sem luz e quase sem ar. ¨No inverno acontecem inundações e os prisioneiros ficavam com partes dos seus corpos dentro dágua. Alguns morriam de frio, gelados, ou de doenças respiratórias. Os apóstolos Pedro e Paulo passaram por aquele sofrimento, ao mesmo tempo que batizaram, com a mesma água, todos os prisioneiros da época, os quais se tornaram fervorosos cristãos. Pedro foi crucificado ali mesmo e seu corpo jogado onde hoje é a Igreja do Vaticano. Essa prisão tem a história de muitos séculos. Imagine quantos prisioneiros viveram nela…¨. E eu pensei: e ainda estão aquí!
A chave chegou e essa senhora resolveu me guiar de escada a baixo nos vários níveis da prisão. Há um rosto gravado em uma das paredes e a legenda conta que um soldado empurrou a cabeça de Pedro contra a rocha e ele deixou o rosto cravado na pedra. Há pinturas de Pedro com Jesus pintadas por prisioneiros. Na medida em que você desce as escadas e visita as celas, a sua sensibilidade aumenta, os cabelos se arrepiam e quando eu cheguei no último nível, onde ficava inundado, chorei muito. Não consegui segurar a pressão de tristeza em meu coração. A guia ficou no andar de cima e disse-me que eu tinha que passar aquela experiência sozinho. E assim foi. Quando consegui controlar um pouco o choro, comecei a rezar e a invocar a luz para todos aqueles que ainda se encontravam presos naquelas escuras paredes de pedra. A resposta foi imediata. A luz chegou.
Eu e a guia nos despedimos como antigos conhecidos… A luz do Sol bateu em meus olhos e eu tive que me sentar para me recompor daquela hora passada nos porões romanos. Estava exausto. Pude imaginar o que os prisioneiros sentiam. Mas, como tudo na vida, no cenário na minha frente existía apenas os escombros dos opressores e a luz do Sol brilhava como nunca. A uns 20 minutos a pé estava a Igreja de Pedro, visitada por milhares de pessoas todos os días e de todas as partes do mundo, movidos pela fé naquele que é a Luz do Mundo. Dos opressores só existem, nos museus, os seus bustos de pedra, sem vida e sem sentido. Não tinha tanta admiração pelo Apóstolo Pedro, mas agora pensó diferente. Resistir a tudo aquilo e morrer por Jesus foi muito além que um ato de fé e fidelidade.