Por José Joacir dos Santos
Em outubro de 2006, por volta das sete da noite, senti uma forte vontade de deitar. Já conheço bem esse sintoma: hora de sair do corpo. Quando dei por mim estava entrando em um lugar antigo, com muralhas. Tentei ler a placa da entrada principal, onde havia um afresco pintado em azul, mas não conseguia entender a língua. Procurei uma data, nada. Olhei no arco acima do afresco e haviam nove rosas pintadas na parede. Estava acompanhado e minhas companhias não me deixaram investigar muito o lugar. Atravessamos a cidade e fui levado para a parte principal da fortaleza onde havia uma prisão. A minha missão era libertar espíritos presos nesse lugar, inclusive religiosos vestidos como franciscanos. Era tudo muito escuro, frio e eu tinha que entrar sozinho. As paredes do lugar eram de pedra e as portas de madeira com ferro, largas. Além de prisão, um dos compartimentos subterrâneos servia como depósito do ouro da realeza.
A pessoa principal que iria libertar era também responsável pela prisão de outras. Minha presença foi logo notada e aquele ser, masculino, passou emitir gritos ameaçadores, ensurdecedores e esmurrar a parede de pedra até o sangue correr pelas mãos. Não me intimidei e comecei a rezar. Mesmo tornando-se invisível, os gritos preenchiam o lugar. Não parei de rezar e de pedir luz para o lugar e as pessoas ali presas. Em dado momento ele gritava pela mãe ao mesmo tempo em que chamava palavrões, como se ela fosse responsável pela prisão dele. Continuei o trabalho mas comecei a ficar frago demais e fui devolvido ao corpo em San Francisco. Era cerca de meia noite. Estava exausto. Dormi e no dia seguinte acordei esgotado, sem forças, ao ponto de parar o trabalho diário para fazer Reiki e assim tentar recuperar a força vital. Por que será que minhas missões nesses lugares têm sido para libertar pessoas? Até aí não tinha idéia onde seria esse lugar.
No março de 2007, quando cheguei a Lisboa, Portugal, para alguns dias de férias, a primeira coisa que fiz no hotel foi comprar um pacote para visitar a cidade de Fátima, meu destino original quando decidi fazer esta viagem, de presente de aniversário. O pacote incluía alguns vilarejos com sítios históricos e não dei muita atenção porque o que interessava mesmo era visitar Fátima, cujos relatos específicos farão parte de outros textos. Depois de Fátima, fomos a Nazaré, uma vila de pescadores, Batalha, onde há túmulos famosos, e por último uma vila chamada Óbidos. Não li nada sobre o trajeto porque depois de Fátima o que viesse seria lucro.
Quando o guia anunciou que já poderíamos avistas a vila de Óbidos, o meu sistema energético foi alterado. Reconheci a muralha que cerca a cidade. Como? De onde? O coração passou a bater mais rápido e percebi uma emoção que não fazia o menor sentido racional. Tentei me comportar como um simples turista mas foi impossível. Quando entramos na porta principal eu reconheci tudo. Sabia o que tinha à direita e à esquerda da estreita rua. Meu corpo ficou leve e pensei que iria sair do corpo andando. Meu cérebro rodou como um rolo de filme e mediatamente lembrei do lugar e sabia que no final daquela rua havia a prisão. Procurei a placa e as nove rosas que deveria existir no lugar que hoje é o portão de entrada para os turistas mas não achei. O guia não parava de falar e nos convidava para entrar em uma casa no lado esquerdo para tomarmos um licor de Ginja, produzido no lugar, e apelidado de a bebida dos reis. Disse a mim mesmo que estava ali de férias, mas não adiantou. Quando tomei o licor, era um estranho sabor conhecido. Como? Senti-me inquieto. Tinha feito amizade com um casal de brasileiros do grupo, já em Fátima, e queria que fôssemos juntos até o final da rua, não entendia o por quê. O guia disse que depois do licor poderíamos andar pela vila até certa hora, quando deveríamos voltar para o ônibus e assim fizemos.
Caminhamos em direção à torre. De repente, a rua enlarguesse e há uma igreja, com enormes árvores. Reconheci todos os detalhes do pátio em frente à igreja e das árvores. Lembrei que já havia estado ali juntamente com aquele casal. Ofereci para tirar fotos do casal e quando enquadrei a câmara, a imagem do passado veio nitidamente. Quem seria aquele casal e quando estivemos juntos naquele local? Ela está grávida e nos tratamos como amigos antigos. Retomamos o caminho da torre e quando chego de frente a igreja, ao lado da torre, escuto um barulho diferente, indefinido, mas digo a mim mesmo que não o ouço. Do lado esquerdo da igreja hoje funciona uma pensão e eu procurei ali a prisão onde havia tentado libertar aquelas pessoas na viagem astral mas não conseguia localizar com precisão. Alguma coisa impedia. A igreja estava fechada. Fui à parte de trás, com o casal, mas não conseguia relaxar. Precisava estar só para ver com mais clareza tudo o que precisa ver. Não comentei nada com o casal para não assustar. Fizemos o caminho de volta para o ônibus e meu coração dizia que a minha visita estava incompleta. Partimos sem que desejasse partir e não conseguia deixar de olhar para trás. Já reconheci outros lugares pelo mundo afora, mas ali havia algo mais a fazer e o tempo não queria deixar. Será que estava mais sensível por causa do meu aniversário? Como o destino arrumou para visitar este lugar exatamente no meu aniversário? Reservei o dia seguinte para visitar o centro de Lisboa, provar das comidas, ver o povo e seus costumes mas não conseguia tirar o pensamento de Fátima e de Óbidos. Na quinta decidi comprar o mesmo pacote para visitar os mesmos lugares outra vez.
Quando cheguei em Fátima abandonei o grupo e fiz tudo o que a minha sensibilidade mandava e falarei disso em outro texto. Em Óbidos a situação foi diferente. Larguei o grupo e fui na frente a passos largos. Lá no portão vejo uma senhora bem velhinha sentada em um canto fazendo tricô e vou até ela perguntar sobre o lugar. A placa veio em primeiro lugar. A senhora me olhou seriamente e disse: a placa foi tirada faz muitos anos e está do outro lado, na praça. O que tem escrito em linguagem difícil? Ela disse: um poema de Camões. E as nove rosas? Ela sorriu e me chamou para o canto da parece, me mostrando o teto, em um ângulo que só se vê encostado na parede. Sim, lá estavam as nove rosas vermelhas pintadas no arco que abre para o antigo balcão onde uma das rainhas assistiam a missa. Sim, aquele lugar era uma igreja e a senhora disse que ouvia crianças cantarem logo cedo da manhã, quando não tinha ninguém por perto. Não sei se aquela senhora era encarnada ou desencarnada porque a nossa conexão foi imediata, sem obstáculos, como se tivéssemos falando de algo em comum. Agradeci e caminhei pela rua estreita rumo à prisão.
De longe avistei uma mulher pintando um quadro entre a igreja e a parte mais alta da muralha, onde hoje é uma pensão. Não perdi tempo e fui direto. Contei a ela que tinha “sonhado” com aquele lugar e queria saber onde era a prisão que não conseguia identificar. Ela me olhou com surpresa e apontou para o lado esquerdo da igreja, logo atrás de mim. Meu coração queria sair pela boca. Como chego até lá? Entre por essa parte ao lado da igreja e siga o caminho que vai dar à escada que leva à torre da prisão. Obedeci. Finalmente, de frente para a porta que já era conhecida, comecei a rezar e a falar com os espíritos mentalmente explicando que o tempo havia passado e que não havia mais razão para prisioneiros e carcereiros permanecerem ali. Vi os monges franciscanos e senti um frio de morte. As minhas mãos gelaram e aí comecei a mandar Reiki para todo o lugar. Recuperei a energia em mim e rezei o que veio na minha cabeça. Senti o momento de encerrar e sai na direção errada, meio sem sentir o chão, e quase cai de escada a baixo até achar o caminho de volta para a pintora.
Como foi lá? Perguntou a pintora Lúcia. Fiz tudo o que tinha que fazer. Acho que eles agora se libertarão. Olhando os dois para a torre, ela disse: “Eu também me sinto presa aqui. Todos os dias penso mil vezes antes de vir aqui mas algo me chama como um imã e tenho que vir pintar aqui…”. Neste momento, um pássaro escuro, do tamanho de um pombo, sai da única brecha da torre que fica na nossa direção. Nós dois nos calamos olhando o pássaro, até que ela olha para mim e diz: “agora vejo a sua aura azul e cinza. Olhe para mim e diga o que vê. Sente-se no meu banco”. Sentei. Olhei para ela e não via nada até que a imagem da mãe dela se projetou. Comecei a falar tudo que vinha sobre a família dela. A mãe, morta, cheia de remorsos pelos maustratos que tinha causado à filha. A filha começou a falar dos maustratos que a mãe tinha lhe causado, numa sintonia incrível entre as duas como se fosse uma conversa. Quando o choro brotou na face da filha, foi a hora de entrar com a psicoterapia grupal. Falei tudo que foi possível sobre perdão, compaixão e a inutilidade de manter o ódio sobre os fatos passados. A mãe se foi e a filha parou de chorar. Olhei no relógio e deveria correr para o ônibus. Comprei duas aquarelas da pintora e ao colocar no envelope ela disse, meio em transe: “você será recebido como um rei”. Colocamos, os dois, ao mesmo tempo e na mesma sintonia, as mãos em sinal de oração e a desejei paz e proteção. Fui embora sem olhar para trás, satisfeito. Ela não era portuguesa e sim do leste europeu, mas falava português com sotaque. As aquarelas retratam a vila de Óbidos e a torre da prisão aparece sempre na mais completa escuridão. Em um dos trechos da nossa conversa meio em transe a pintora me disse: eu sempre pinto essa região da vila para mostrar essa torre… Pela primeira vez voltei, consciente e no próprio corpo físico, a um lugar onde havia ido em viagem astral.
Segundo os panfletos turísticos, a Vila de Óbidos guarda séculos de história entre suas muralhas. A vila teve origem no século I, quando era chamada de Eburobrittium. Foi ocupada por vários povos, desde romanos a árabes e em 1148 os mouros mondavam no local. Em 1210 volta para as mãos da monarquia portuguesa e Dom Afonso II doou a vila à sua mulher. Era considerado o local de descanso ou de refúgio para a elite da corte de Dom João IV, Dom Pedro II e Dona Maria I, assim como Dona Catarina da Áustria, séculos antes do “descobrimento” do Brasil. Apesar dos séculos, quantos ainda estão presos em Óbidos? Como esse lugar era habitado pelos senhores do poder, os aprisionamentos estão carregados de ódio e sangue. A energia que senti naquela porta era fria, densa, pesada, dolorida, sofrida. Portugal, 09/03/2007 jjoacir@gmail.com