Por José Joacir dos Santos
Havia na região um homem solitário, sábio, muito velho e santo que morava ao pé de uma montanha. Ninguém sabia de onde ele era nem de que família pertencia. As pessoas da região descobriram que aquele homem tinha o poder da cura e batiam na porta da sua pequena casa para tratar dos seus males. Ele atendia a todos, sem distinção. Graças a ele, a comunidade se fortaleceu com os ideais da cura por si mesmo, embora houvessem famílias de diferentes tradições. Todas viviam em paz, harmonia e tinham como elemento de ligação aquele homem santo, que falava pouco.
Um dia alguém bateu na porta e o homem santo não respondeu. Abriram a porta e encontraram o homem santo morto no chão da pequena casa, que sequer cama tinha. A comunidade se reuniu. Mesmo aquelas famílias com algumas diferenças compareceram ao velório e todas ofereceram suas preces, do jeito que sabiam fazer. O homem santo foi enterrado em ao pé da pequena montanha que tanto gostava.
Crianças e adultos costumavam ir ao local da cova e deixar ali flores. Três meses depois, em pleno verão, as primeiras pessoas que chegaram ao local notaram que vertia água da cova do homem santo. A comunidade foi lá ver o que se passava porque quando lhe enterraram tinham procurado o lugar mais seco. A água jorrava e quem a tocava se curava de qualquer coisa. Aquelas completamente sadias tinham sonhos maravilhosos e se lembravam até de vidas passadas. O local virou centro de peregrinação e cura por décadas seguidas até que um grupo de judeus da comunidade decidiu colocar pedras dentro do pequeno lago com a desculpa de que a água era contaminada. Esse gesto causou desavença entre os membros da comunidade que tinham outras tradições e que não achavam aquela água contaminada ou suja. Um rico morador judeu mandou tapar o lago com pedras e construiu sobre elas uma sinagoga.
Quando o homem rico judeu morreu, outro homem rico muçulmano mandou derrubar a sinagoga e construiu ali uma mesquita. Houve derramamento de sangue. A comunidade judía se retirou e o local passou a pertencer aos muçulmanos. No dia em que o homem muçulmano morreu houve luta entre seus seguidores, cada um querendo ocupar o espaço com suas próprias idéias e assim a comunidade deles se partiu e enfraqueceu. Na ausência deles, católicos começaram a frequentar o local e ali foi erguida uma igreja. Desde o dia da fundação houve troca de farpas entre católicos e evangélicos, que reivindicam a divisão do espaço. A disputa entre eles virou briga. No meio dessa briga houve uma eleição e o vencedor foi o partido comunista. O novo governo comunista mandou derrubar o templo e proibiu o culto a qualquer religião no local.
Anos depois, com o fracasso da administração comunista, houve nova eleição e o partido perdeu. Quando o novo governo anticomunista assumiu o poder, um homem rico mandou construir naquele local um hotel de luxo. O hotel prosperou por poucos anos. Um belo dia fechou por falta de clientes, no meio da recessão económica que se abateu sobre aquela comunidade. Abandonado, o hotel virou ponto de prostituição, droga e marginalidade. A comunidade reclamava muito das autoridades sobre o estado marginal daquela região da cidade. Com o barulho feito pela comunidade local, a policía passou a frequentar a zona e a reprimir a criminalidade. Houve mortes. Quando a zona começou a ficar calma, um grupo político dos sem-teto ocupou o local. A comunidade de dividiu sobre o assunto e aos poucos a rua virou palco de pós e contras os sem-teto ao ponto em que a violência gerou as primeiras vítimas fatais.
Depois dos incidentes, a prefeitura da cidade mandou demolir os escombros do hotel e construiu um estacionamento privado. Era desolador para alguns moradores do local ver aquele estacionamento e no fundo uma montanha semidestruída, cheia de barracos, fumaça e esgotos que desciam e inundavam o estacionamento.
Um dia de muita chuva, houve, de repente, um deslizamento de terras na montanha desmatada. Todos os barracos vieram de ladeira a baixo e algumas pessoas ficaram soterradas no estacionamento. Houve um plebiscino na região e venceu a proposta de retirar completamente aquela montanha e construir no local um aeroporto. Poucos meses depois da inauguração do aeroporto, que só tinha um vôo por semana em avião pequeno, os engenheiros notaram um veio de água jorrando na pista. Várias tentativas de tapar a água fracassaram. Pássaros passaram a ir ao local beber água e isso criou confusão para o tráfego aéreo. A administração do aeroporto insistiu e mandou engenheiros ao local para encontrar uma solução. Um dos engenheiros, que tinha quebrado o pé e estava usando moletas, derrapou e caiu no local. Ao ser socorrido, dormiu profundamente. Quando acordou, o seu pé havia sido curado. Sem entender o ocorrido, voltou ao local e se surpreendeu ao ver várias pessoas tocando na água com a intenção de curar seus males. A administração do aeroporto perdeu o controle sobre o local com tanta gente, pássaros e animais indo ao local para tocar na água. Aos poucos o asfalto do local começou a rachar e a nascer plantas. Hoje o local virou um parque público e pessoas de longas distâncias acodem ao local para tocar e beber daquela fonte de água.