Por José Joacir dos Santos(*)
Quando voltei do Irã, nos anos 80, depois de presenciar a sangrenta guerra Irã-Iraque, fiquei chocado com a reação apática, distante e indiferente dos meus colegas de trabalho e amigos próximos diante do meu depoimento sobre o que vi naquela guerra. Aos poucos me acostumei, justificando para mim que o Irã era um país distante do Brasil e no nosso país ninguém tinha idéia do que representa um bombardeio, corpos sangrando, mutilados, bem na sua frente. Os olhares dos meus amigos eram estranhos. Alguns desconfiavam dos meus relatos. Comecei a aprender a ficar calado com minhas experiências e a selecionar bem o público para compartilhar meu crescimento diante delas.
Nestes dias e em menos de 15 dias, sentado no sofá de casa, imagens parecidas e também assustadoras surgiram na tela de tv. Aviões civis derrubados, carros-bomba, barragens explodindo, assassinatos em massa – terroristas querendo implantar o que eles pensam que é a cultura correta, a do ódio. Pessoas inocentes e longe dos campos de batalha sendo punidas pela crueldade assassina em nome de deus.
O que mais assusta é a reação das pessoas diante daquelas atrocidades. Alguns têm a coragem de brigar nos grupos sociais porque o Cristo Redentor, do Rio de Janeiro, foi iluminado pela bandeira da França, depois dos assassinatos, e não o foi pela bandeira de Minas depois do estouro da barragem, onde pessoas e o meio-ambiente também morreram pela violência da natureza ultrajada.
Será que estamos perdendo, gradativamente, o sentimento de humanidade? Esse sentimento é a única coisa que nos separa dos animais selvagens! Não, não estou questionando sobre aqueles que matam a sangue frio pessoas relaxadas tomando um café numa sexta-feira em uma cidade livre como Paris ou que pegam um avião de férias. Estou falando de nós mesmos, pessoas que se dizem cristãs, civilizadas, capazes de politizar a morte de pessoas como se fossem apenas números. Como se a morte tivesse nacionalidade ou fronteira; como se a distância física dos fatos justificasse piadas nos grupos sociais; como se fizesse alguma diferença iluminar o Cristo Redentor de qualquer cor. Até onde deve ir a cultura das piadas e da indiferença diante de tragédias humanas?
As piadas brasileiras, em vídeos na internete, já estão famosas por serem as mais agressivas possíveis. Se houvesse um Oscar nessa categoria, só brasileiros ganhariam – que triste! São elas quem mais banalizam o ser humano em toda aquela categoria de vídeos. Anos atrás, morando em Brasília, a gente dizia: Essa história de violência é coisa carioca! Hoje calamos a boca porque esse vírus, assim como os costumes, jeitos e trejeitos das novelas cariocas se alastrou e o povo se comporta com o mesmo sentimento de negação que os cariocas se comportaram quando ainda era possível combater a criminalidade naquela cidade, nos anos 80. Agora as cidades campeãs de violência estão no lindo nordeste, que já foi sinônimo de povo feliz.
A impressão que dá hoje é que há pessoas que passam seus dias catando imagens tristes e piadas degradantes para publicar em seus ¨face¨ como se isso fosse uma conquista intelectual ou algo que engrandece o ser humano. Além disso, fazem piadas sobre a desgraça humana e se comportam assim diante de um assassinato em massa: ah, mais aqui também acontece isso… Desde quando uma desgraça justifica outra? Devemos dormir sobre cadáveres?
Como fazer para reverter isso? Como proceder para que as pessoas entendam novamente o que representa as palavras valor cultural? Como alertar pessoas que não se deve construir casas dentro de rios nem nas várzeas das barragens? Como esclarecer que terrorismo não é natural? Como explicar que piada pode ser bullying? Como ensinar a respeitar os mortos e a venerar os antepassados? Como fazer as pessoas reagirem contra a violência de qualquer natureza ou gênero? Quem é responsável por todo essa inversão de valores? Será que você é uma daquelas pessoas que vive espalhando violência pela internete?
A energia de tudo o que estamos falando aqui é negativa e inteligente. Já sabemos que os desastres naturais são causados pelo pensamento negativo das pessoas da região onde ocorrem. Também sabemos que a violência atrai violência. Pessoas já foram assassinadas nas ruas de Paris pelos nazistas. Calado diante do teclado, você pode ser tão assassino quanto aqueles que nada têm dentro de si mesmos e usam armas contra inocentes para tomar os seus bens e até suas vidas. A energia dos pensamentos, atos e palavras é como faca amolada. Além do mais, a energia sempre volta para sua origem mental.
Está passando da hora de reagirmos a favor da paz. E essa ação não é mais responsabilidade somente dos governantes. A maior guerra atual é contra o espírito trevoso do ódio religioso, racial, de gênero. O ódio as vezes incentivado por autoridades eleitas pelo povo, como alguns deputados e senadores de Brasília, que todos sabemos quem são. O ódio incentivado por pessoas no conforto de suas casas. O ódio que vem de terras estrangeiras, onde a morte é o caminho e quanto mais cruel melhor para seus autores. Rezemos, oremos, pensemos na paz porque o contrário disso já está batendo na nossa porta. Ainda há esperança! (*) Jornalista jjoacir@gmail.com