Embora a literatura a respeito de vidas passadas seja ampla e de fácil aquisição, na hora de espremer os limões pode confundir e despertar interesses variados. Quando trabalha-se com este assunto o leque de possibilidades se amplia. Quando você conversa com alguém sobre isso logo a pessoa fica interessada em saber “o que eu fui”, e quase ninguém sabe que um indivíduo pode ter tido centenas de vidas e que terá muitas mais se não evoluir espiritualmente. Acessar essas informações gravadas no DNA espiritual nem sempre é bom.
Os anjos e santos não reencarnam porque não necessitam, mas nós aqui não temos nada de anjos ainda. Há surpresas, nem sempre positivas, nos reencontros com pessoas ligadas ao nosso passado espiritual. Mas o livre arbítrio anda conosco para o devido uso. O exemplo pessoal que se segue pode servir de orientação e reflexão. Passei oito meses em Nairóbi, Quênia, Leste da África, por força do meu trabalho. Logo na chegada dá para vislumbrar o estágio de desenvolvimento da tão judiada África – pobreza absoluta.
Uma colega me aguardava no aeroporto com a notícia de que não haviam feito reserva para mim em hotel algum porque só se faz a reserva para poucos dias, não para meses (?). De lá saímos para procurar um lugar onde pudesse me hospedar. De três da tarde a oito da noite vagamos de pensão para pensão, de hotel para hotel, alguns lotados e outros sem condições de segurança. Por fim paramos em um hotel caro, onde pude dormir para no dia seguinte continuar a procura. Dois dias depois sai do hotel disposto a encontrar um lugar. Depois de três decepções, de longe gostei de um pequeno prédio onde alugavam apartamentos e, com as malas no carro da minha amiga, paramos para conversar com os donos. Assim que o portão se abriu eu fiquei tonto. Na minha cabeça uma sucessão de imagens foi projetada. Disfarcei bem e na medida em que a proprietária, imigrante indiana, mostrava um dos apartamentos vagos, passei a sentir a sensação de que estava com pessoas conhecidas espiritualmente. E estava!
Não gostei do apartamento e pedi para ver outro, se houvesse. A resposta foi positiva e quanto a senhora abriu a porta do apartamento eu senti uma espécie de raio luminoso e reconheci duas lamparinas sobre a mesa do centro da sala. Há muita queda de luz no Quênia e demora a voltar. Olhei para a mulher e via na minha mente um tapete com um desenho conhecido. Este apartamento tem um tapete no quarto? – perguntei. Tem, vamos ver? Ao chegar no quarto o tapete era o que via na minha mente e estampava um símbolo conhecido do budismo, o infinito. Novamente senti o raio de luz e ao olhar para a dona do apartamento fiquei diante de uma situação ocorrida em outra vida, onde fui assassinado juntamente com minha parceira, exatamente naquele lugar onde havia sido uma fazenda de imigrantes ingleses. Eu, africano, havia me apaixonado pela européia branca filha do patrão, o que era inconcebível. Fomos mortos e enterrados na beira do rio que passava ali próximo e esse assassinato nunca foi descoberto. Tem um rio aqui perto? Sim, tem, fica logo ali – respondeu a proprietária apontando por entre a janela.
Não perguntei mais nada e assinei o contrato. Onde há fumaça há fogo e onde há fogo há vida. As lamparinas e o tapete sinalizavam para mim que alguma coisa no meu ciclo de existências estava presente ali e era hora de ativar e desatar o nó. Nos próximos dias fui apresentado pela proprietária ao seu empregado encarregado da administração e para quem eu deveria dirigir todas as minhas necessidades como morador. Ao apertar a mão daquele senhor novamente tive as imagens na minha mente. Estava agora diante do mandante do assassinato. Não pude disfarçar muito minha emoção e, ao ser notado, respondi que ainda estava passando pelos efeitos do fuso-horário. Nos dias seguintes tive imagens claras de toda aquela vida na África e compreendi porque sempre me recusei a viajar para aquela parte do mundo e ao mesmo tempo temia o que pudesse vir nos próximos meses, convivendo diariamente com meus assassinos. Quem seria aquela que tanto amei e por ela morri? Será que nos encontraríamos? Como seria ela? Seria bom? Começaríamos tudo outra vez, já que ela poderia ser minha eterna alma gêmea? Dias depois voltei do trabalho de carona. A tarde estava linda. Era bom sentir o cheiro das árvores e a umidade do rio. Entrei pelo portão principal, cumprimentei os seguranças e me dirigi ao pátio, onde havia uma escada que lavava ao meu apartamento. Neste pátio também existe um florido jardim e uma pequena piscina.
De repente, parei meus olhos em um rapaz indiano. Meu sangue subiu, tremi, fiquei assustado e ele também. Assustei? – perguntou. Não, eu só não esperava encontrar ninguém aqui e agora. O rapaz aproximou-se e se apresentou como filho do casal proprietário. Ao apertar a mão dele o meu coração também se apertou e pensei que iria passar mal. Disfarcei bem, pedi licença e subi as escadas sem olhar para trás. Estava ali “a minha companheira”, vestida de macacão aparando as árvores e colhendo flores! Enquanto tentava abrir a porta, as imagens do passado vivido com aquele viajante do tempo se sobrepunham umas às outras em minha mente. Entrei e sentei-me no sofá da sala estarrecido com a nitidez das imagens. A partir daquele dia passei a evitar, de todas as formas, aquele rapaz. Ao mesmo tempo passei a sonhar com ele todas as noites e a conversar mentalmente. Pedi ajuda espiritual e a resposta foi imediata: passei a ter acesso a outras vidas, outros lugares, outros tempos. Praticava Reiki, juntamente com florais do Himalaia, todos os dias para apressar a desprogramação daquela vida passada e sofrida. Instintivamente o rapaz também passou a me evitar, embora a mãe não perdesse uma oportunidade para me fazer perguntas sobre a minha vida atual, no Brasil, e a falar das habilidades intelectuais do filho. Satisfiz sua curiosidade e não fiquei surpreso quando ela me perguntou se eu tinha me assustado com o filho dela. Respondi que sim, mas justifiquei que achava ele parecido com uma pessoa que conhecia e por isso fiquei assustado com sua presença.
Os indianos acreditam na reencarnação e eu tinha certeza que eles suspeitavam de algo, mas jamais dei um passo nessa direção, por instinto. A única incursão que fiz foi através da empregada doméstica. Perguntei se o casal tinha muitos filhos e ela me deu a ficha: não, só um rapaz. É casado? Não, é solteiro e não tem namorada. É gay? Não, esse é um tabu para os africanos-indianos! Ela também disse que ele vive no mato, isolado, e quando volta para casa fica o tempo inteiro cuidando das plantas sem dá atenção a ninguém, como se a vida presente não lhe interessasse. Na véspera do jogo do Brasil na Copa do Mundo/2002 ele bateu na minha porta, perguntou se eu iria ver o jogo e me convidou para fazer parte de um grupo de pessoas, inclusive alemães, que iria ver o jogo. Agradeci e fiquei nervoso pela maneira como ele me olhava, querendo mais conversa, enquanto segurava a porta esperando que ele fosse embora. Quando ele foi, sentei no sofá e chorei compulsivamente. Por que voltamos a nos encontrar ambos em pele de homem? No dia seguinte amanheci com febre, desanimado e não fui trabalhar por absoluta falta de forças.
O administrador bateu na porta para avisar que o táxi que eu havia contratado estava lá fora esperando, como era habitual. Disse-lhe que dispensasse e que estava com febre. Em minutos ele dispensou o táxi e voltou com remédios para febre. Muito solícito, perguntou se desejava encomendar comida já que não cozinhava porque comia em restaurante perto do trabalho. Concordei. Ele encomendou a comida por telefone e disse, em bom e sonoro inglês – a nossa língua comum: fulano, filho do proprietário, também está acamado, com febre. Depois de acompanha-lo até a porta, sentei-me na cama e rezei profundamente. Senti uma espécie de sono e deitei. De repente, materializou-se um homem em frente à cama, disse que não me preocupasse com nada, fosse com calma, resolvesse as pendências com o exercício do perdão e que, com relação à febre, ele iria colocar um remédio no meu corpo. Senti um aperto no pé e adormeci. Acordei com o administrador chamando para almoçar. Tinha dormido uma hora e quarenta minutos, mais ou menos.
O administrador é casado mas não consegue ter filhos. Por que? Todas as vezes que ele me dava as costas eu repetia mentalmente: eu lhe perdôo! No dia do jogo do Brasil tive que arranjar algo para fazer e bem longe de casa. Lembrei de uma livraria que havia descoberto em um jornal e fui lá. Quênia é ex-colônia inglesa e as principais livrarias são cheias de livros em inglês, caros e raros, muitas vezes sem público. Fui direto a uma prateleira onde havia livros budistas e encontrei lá verdadeiras jóias. Daquele dia em diante virei freguês assíduo, lendo a uma velocidade que me surpreendia. Meu nível de compreensão estava aguçado. No final dos oito meses havia lido 102 livros. A leitura mudou meu padrão vibracional e talvez por isso o rapaz teve que viajar a serviço para costa do Oceano Índico, bem longe de mim. Será que eu estaria fugindo dos fatos ou teria que enfrentar e contar tudo que sentia? Valeria a pena acordar todos os sentimentos envolvidos em todos nós ali reunidos? Trazer de volta um passado triste? A resposta na minha cabeça era sempre não! Enquanto isso, o contato com espíritos aumentou.
Os mentores apareciam em sonhos, ao vivo e em cores e me davam verdadeiras aulas. As viagens astrais se intensificaram e todos os meus caminhos foram abertos, inclusive comecei a trabalhar, nas horas vagas, como terapeuta – o que não havia programado. Conheci terapeutas indianos, tibetanos e chineses. Eram impressionantes aqueles contatos, no meio da África, exatamente com culturas que não eram africanas e que me puxavam de volta aos ciclos orientais Para minha alegria, conheci uma mestra indiana ligada à fraternidade de Kuan Yin, que não sossegou enquanto até me iniciar. Uma nova amiga chinesa me surpreendeu com dois presentes de uma só vez: uma imagem de Kuan Yin, minha predileta (Deusa da Compaixão e do Perdão) e outra de Kuan Kun (protetor espiritual chinês). Imediatamente organizei um altar e passei a realizar orações e a recitar mantras, perdoando e desfazendo todos os laços que me prendiam a quem quer que estivesse envolvido com aquela vida passada e que por obra do destino estávamos reunidos ali. Torneiras abriam-se sozinhas e lâmpadas queimavam com freqüência. Eu não desistia, exercitei à exaustão os exercícios de perdão, em voz alta, junto com orações e mantras, dirigidos a todas as pessoas daquele lugar, uma por uma. Mudei a alimentação só para frutas, legumes e peixes. Nada de sexo nem de bebidas. Disciplina e oração.
Não é todo dia que a gente tem a oportunidade de apagar o passado sem dor. Ao final dos oito meses, quando minhas malas estavam na porta do apartamento esperando o motorista que me levaria até o aeroporto, um dos empregados entregou-me um pacote em nome do filho dos proprietários: cinco caules da árvore africana chamada “dama da noite”, que brota suas flores ao anoitecer. Lembrei que certa noite, ao chegar em casa, a árvore estava repleta de flores, inundando todo o pátio com seu maravilhoso cheiro. Larguei minha sacola no chão e comecei a tocar nas flores. Minutos depois o rapaz chegou, saudou-me, disse o nome da árvore e também que ela era comum naquela região africana. Não alimentei o diálogo. Segurei os caules até próximo ao aeroporto, pedi ao motorista que parasse e os devolvi à terra. Mentalmente dei por encerrado aquele ciclo de minhas vidas, agradecido pelas pessoas maravilhosas que conheci, pelos laços que desfiz e pelos 102 livros espiritualistas lidos, graças a Deus. Todas as vezes que olho para céu limpo e azul do Planalto Central eu me recordo que o passado é para ser deixada para trás, sempre. O futuro ainda não chegou. O que de real existe é o presente, aqui e agora, hoje. E eu tenho a minha vida em minhas mãos para realizar todas as transformações que desejar, com vontade e fé. jjoacir@gmail.com (este artigo foi publicado em 19/12/2006 · 18:45)
Por José Joacir dos Santos