Por José Joacir dos Santos
Numa linda tarde de primavera, em Brasília, fui chamado a atenção por Isis e Quasar, meus dois gatos, para algo que acontecia na janela da sala de visitas. Ao chegar na sala, vi que havia sete pássaros azuis voando em ciclo, ao redor de uma árvore bem próximo à janela. Naquele momento estava escrevendo a tese de pós-graduação em Psicossomática. Estava acostumado a ver pássaros, de muitas raças e cores, naquela árvore porque o meio-ambiente em Brasília mudou com o crescimento das árvores, todas plantadas pelo governo desde antes da inauguração da cidade em 1960. O cerrado, bioma onde fica Brasília, era de deserto, como o do Saara. Os três ficamos parados olhando aquele belo espetáculo, cuja mensagem só fui entender dias depois. Sabia que aquele era um aviso de que algo muito forte e transformativo iria acontecer em minha vida e tinha decidido escrever livros. Meus gatos foram educados a conviver com pássaros que apareciam na janela, inclusive beija-flores que vinham tomar água com mel. Desta forma, aquele era um espetáculo único com pássaros raros e desconhecidos.
Pela cor e pelo círculo que eles faziam, com muito barulho, sabia que deveria me preparar para ser mais forte ainda para superar os acontecimentos. Dois dias depois, uma pessoa muito querida faleceu e me apareceu para se despedir. Outra vez estava tendo meu tarô sendo traçado por uma taróloga paulista e um pássaro se jogou pela janela da sala, quase quebrando o vidro. A mensagem era simples: saia correndo daí, não escute mais nada. E eu saí. Muitas outras ocasiões os pássaros vieram confirmar ou me alertar, desde criança, de forma que é um acontecimento normal na minha vida.
O que eu não sabia, mas tinha sido avisado, era que os pássaros estavam na minha vida a mando da Rainha Mãe do Oeste, uma protetora que viaja no tempo acompanhando-me nas encarnações sucessivas. Textos antigos, escritos por taoístas em séculos antes de Cristo, descrevem essa relação dos pássaros como mensageiros da Rainha Mãe do Oeste e seus protegidos. Em imagens de Kuan Yin pintadas em cavernas na Ásia há sempre três pássaros azuis perto dela, brincando em ciclos. Nos primeiros anos que morei no Oriente, confundia Kuan Yin com a Rainha Mãe do Oeste até aprender que ela também é protegida pela Rainha Mãe do Oeste, venerada em todos os rincões da Ásia, desde a Rota da Seda. Todas as histórias de aparição e interferência na Terra por parte da Rainha Mãe do Oeste, também conhecida por Dou Mu ou Mynah, “aquela que é anterior a formação da terra”, há sempre a antecedência de três pássaros azuis. Eles simbolizam a comunicação além das barreiras do tempo, do espaço e do entendimento humano. A pesquisadora Suzanne Kalil diz que eles seriam a ligação “entre humanos e os mundos divinos, entre a vida e a morte, entre a nobreza e o resto da humanidade, entre amantes separados” sem a vontade própria, entre devotos e santos.
O monge taoísta Chuan Tang Shih escreveu, no ano 3246 Antes de Cristo:
“Vermos um ao outro é difícil; partir também é difícil.
O vento do Leste não tem força; mesmo cem flores secam.
Casulos de seda da primavera estão prestes a morrer
Assim como a vela de cera desmancha-se com cinzas e
As nuvens formam templos que o vento também leva.
Canto poemas à noite em resposta a meus sentimentos
Mas a Lua se mostra distante e fria pela janela.
Não muitos os caminhos daqui para o Monte Peng-lai… (ilha onde vivem os oito imortais, na China)
Oh, pássaros azuis, por favor, olhem ela por mim”.
No Xamanismo oriental há uma tradição, ainda viva em templos budistas da Ásia, especialmente da Tailândia e região, que é a soltura de pássaros engaiolados. Cada pássaro é oferecido ao mundo astral e quando solto simboliza um espírito libertado das prisões do umbral. Chamamos de Xamanismo Oriental tudo o que existia antes da importação, pelo Tibet, da tradição budista que veio da Índia. Chamamos de budismo tibetano porque a ele foram incorporados os usos e costumes da população tibetana que praticava o xamanismo (da sua forma e jeito). Mesmo assim, o xamanismo tibetano não teve dificuldade de incorporar o budismo porque espiritualmente estava muito avançado, muito mais que os países vizinhos como a Índia.
Dentro da psicologia oriental há o entendimento de que a vida é “assim na terra como no céu” e esse ditado é tão antigo quando os caminhos da Rota da Seda. Quando os primeiros cristãos incorporaram esse ditado a seus textos, ele já existia na Rota da Seda, em Alexandria (no Egito) e entre os essênios. Quem se perdeu nessa rota de conhecimento foi o cristianismo.
De acordo com o conhecimento antigo, quem desencarna fica tão sensível e dependente de orações e imagens mentais de felicidade da família como os bebés recém-nascidos estão ligados aos acontecimentos e lugares antes do nascimento. Uma maneira de apaziguar e mandar mensagens de felicidade para os antepassados é libertar pássaros.
Compra-se oito pássaros, ou dezesseis, sempre múltiplos de oito (o número que simboliza o infinito e a prosperidade), junta-se amigos e parentes, faz-se uma oração pelos antepassados e como gesto de liberdade soltam-se os pássaros. Na oração pedimos para a espiritualidade libertar todo e qualquer antepassado preso a energias desqualificadas e confusas e por isso oferecemos a libertação dos pássaros. Se algum pássaro não voar na hora da libertação significa que é preciso repetir a cerimônia porque algum antepassado teve dificuldade de se libertar. Não se toca no pássaro que não quer voar. Deixamos o pássaro lá até que ele decida voar. Se for em lugar que ele corra risco de ameaça humana, removemos ele para um lugar seguro e o deixamos lá.
Claro que só faremos essa cerimônia em ambiente que dê condições aos pássaros de sobreviverem felizes, com água e alimento fácil. Naquele momento o indivíduo não é mais um pássaro. Contém nele um espírito que teve dificuldade de se libertar, por razões individuais ou coletivas, como por exemplo, espírito preso por força negativa muito superior ao coração de quem realizou a cerimônia. Esse é outro sinal a ser observado.
Manter pássaros engaiolados pode até ser romântico para aqueles que ainda estão muito distantes do conhecimento. O mesmo se aplica à indústria dos aquários. Peixes pertencem às águas, livres. Quem necessita aprisionar animais tem muito o que aprender com eles soltos.
Talvez uma existência seja muito pouco para o aprendizado, mas, é importante valorizar o que temos e tudo aquilo que aparece na nossa frente, todos os dias, de humanos a animais, insetos etc.
A grande lição que a Rainha Mãe do Oeste e seus descendentes na compaixão e no perdão, como Kuan Yin, é que tentemos nos libertar de todos os dogmas impostos pelas culturas em que nascemos para podermos vislumbrar um universo mais além, onde a liberdade que liberta mesmo é o amor. E o amor é sempre aquele “foro que arde sem doer”, sem julgar, sem preconceitos, com respeito à evolução de cada um, mesmo os muito diferentes de nós mesmo porque nada é igual no universo.
(este texto foi originalmente publicado em 2003) Julho de 2020 jjoacir@gmail.com